Santo Agostinho de Hipona, é uma das maiores inteligências para compreender e pesquisar o coração humano. Quem já leu suas "Confissões", pode avaliar essa afirmação.
OFÍCIO DAS LEITURAS DA 28ª Semana do Tempo Comum.
Segunda leitura
Dos Tratados sobre João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract.26,4-6:CCL36,261-263) (Séc.V)
Eis que eu salvarei meu povo
‘Ninguém vem a mim a não ser que o Pai o atraia’ (Jo 6,44). Não penses ser atraído contra a vontade. A alma humana é atraída também pelo amor. Nem devemos temer que os homens que pesam as palavras e que estão muito longe da compreensão das coisas divinas nos venham talvez censurar por causa desta palavra evangélica da Escritura, e nos dizer: “Como
é que creio por livre vontade, se sou atraído?” Respondo eu: “Por livre vontade é pouco; és atraído também pelo prazer”.
Que significa ser atraído pelo prazer? ‘Busca tuas delícias no Senhor e ele atenderá aos pedidos de teu coração’ (Sl 36,4). Há um gozo do coração, seu pão delicioso é o celeste. Contudo se foi possível ao poeta dizer: “Cada um se deixa atrair por seu prazer”, não pelo constrangimento, mas pelo prazer, não por obrigação, mas pelo deleite, com quanto mais força temos de dizer que o homem é atraído para Cristo. A pessoa que se deleita com a verdade, se deleita com a felicidade, se deleita com a justiça, se deleita com a vida
sempiterna, com tudo isso que é Cristo.
Se têm os sentidos do corpo sua satisfação, estará o espírito privado de suas alegrias? Se o espírito não conhece delícias, como se disse então: ‘Os filhos dos homens abrigam-se à sombra de tuas asas, inebriam-se com as riquezas de tua casa e tu lhes darás de beber da torrente de tuas delícias, porque em ti está a fonte da vida e à tua luz veremos a luz?’ (Sl 35,8-10)
Apresenta-me alguém que ame e entenderá o que falo. Mostra um desejoso, um faminto, um sedento peregrino deste deserto que suspira pela fonte da pátria eterna, mostra alguém assim e saberá de que falo. Se, porém, falo a um indiferente, não compreenderá o que digo.
Estendes um ramo verde a uma ovelha e a atrais. Mostram-se nozes a um menino, e é atraído. E corre para onde é atraído, amando, é atraído, é atraído sem violência corporal, é atraído pelo laço do coração. Se, entre as delícias e prazeres terrenos, aqueles que se apresentam aos seus apaixonados exercem forte atração sobre eles, pois é bem verdade que “cada um se deixa atrair por seu prazer”, não atrairá o Cristo revelado pelo Pai? Que deseja a alma com mais veemência do que a verdade? Por isso, deve-se ter uma boca faminta. Para que deseja ele ter um paladar espiritual são, senão para discernir as coisas verdadeiras, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a eternidade?
Diz o Senhor: ‘Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,’ cá na terra, ‘porque serão saciados’ (Mt 5,6), lá no céu. Eu lhe entregarei o que ama, entregarei o que espera. Verá aquilo em que acreditou ainda sem ver. Comerá aquilo de que tem fome, será saciado por aquilo de que tem sede. Quando? Na ressurreição dos mortos porque ‘eu o ressuscitarei no último dia’ (Jo 6,54).
COMENTÁRIO DE Frei Basílio:
Cada ser vivente é atraído pelo seu prazer. Por aquilo que satisfaz sua necessidade e desejo.
No mundo animal, a sabedoria do comportamento instintivo, leva os indivíduos e seus grupos gregários a buscar e a atingir os seus objetivos vitais: a sobrevivência, o poder, o território, o alimento, a reprodução.
Entre os animais, cada um segundo sua espécie, os indivíduos lutam e brigam por alimento, por reprodução sexual, por território e por seu grupo gregário.
No mundo humano, a sabedoria do comportamento humano inteligente e reflexivo, leva os indivíduos, as famílias, grupos e comunidades identitárias a lutar por atingir objetivos vitais e simbólicos. Os seres humanos têm os mesmos impulsos do comportamento instintivo dos animais, mas sob o controle da razão e da vontade.
Repetindo: o comportamento humano é impulsionado por tudo do comportamento instintivo dos animais (a satisfação das necessidades de sobrevivência, alimento, reprodução sexual, poder, território), mas como necessidades sob o controle da razão e da vontade, e submetidas às necessidades de relações com outros seres visíveis e invisíveis e à necessidade de conhecer, explorar, superar limites, e criar belezas, contemplar...
Seu comportamento, é motivado por outras necessidades muito além do nível biológico, de simples sobrevivência; os humanos são impulsionados por desejos emocionais, por sua imaginação que ultrapassa o nível material, lutam por valores, por ideais, pela sensibilidade, por puro desejo de criar e compartilhar algo de bom, de belo, de verdadeiro. Sua necessidade mais fundamental é de amar e ser amado.
Para os humanos, há uma exigência de integração, equilíbrio e plenitude:
· Existe o prazer ao nível do sensorial e motor.
· Existe o prazer emocional e sensitivo.
· Existe o prazer intelectual e cognitivo.
· Existe o prazer espiritual e contemplativo.
· Existe o prazer relacional, de amar e ser amado.
· Existe o prazer de ser generoso, justo, reto, compassivo e cuidadoso
Na antropologia bíblica o ser humano completo é corpo, alma, espirito, coração e mente; é filho ou filha, é irmão ou irmã, se faz esposo ou esposa, é fiel à herança dos antepassados e o responsável pelos descendentes; é um peregrino na terra, é solidário, é responsável pelo território, pela família, pelo seu povo, pelos viventes, pelos vulneráveis (os sem pátria - os estrangeiros-, os sem segurança social – as viúvas –, os dependentes – os órfãos-); e é sedento de um novo céu e uma nova terra, de um estado de perfeição e de glória infinita.
Assim, o ser humano é feliz, é abençoado, é fiel ao seu Deus, seu Criador e Esposo.
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Duas motivações da liturgia sexta-feira, da 28ª Semana do Tempo Comum:
Ofício das Leituras:
1. Do Profeta Malaquias, primeira leitura:
“E fazeis mais ainda: cobris o altar do Senhor com lágrimas, pranto e gemidos, enquanto que eu já não olho mais para o vosso sacrifício nem recebo de vossas mãos nada que me aplaque; e vós dizeis: ‘Por qual motivo?’ Porque o Senhor é testemunha do que existe entre ti e tua esposa jovem, a quem foste infiel, tua companheira e esposa, por juramento. Não fez Deus uma união entre carne e espírito? A que visa a união, senão obter de Deus a semente? Respeitai, portanto, o vosso espírito; e tu não sejas infiel à tua esposa jovem. Se alguém, por ódio, a repudiar, diz o Senhor, Deus de Israel, terá suas vestes cobertas de iniquidade, diz o Senhor dos exércitos. Respeitai o vosso espírito e não sejais infiéis.” (Malaquias 2,13-16)
2. Do Responsório da segunda leitura:
R. “Qual será a oferta digna que ao Senhor posso levar?
Ó homem, vou ensinar-te o que é que te convém,
o que Deus pede de ti:
* Que pratiques a justiça, diante do teu Deus.
V. Pertencem ao Senhor a terra e o céu
e tudo o que há neles;
e agora, ó Israel, o que te pede o Senhor Deus?
* Que pratiques a justiça, diante do teu Deus.
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