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Foto do escritorFrei Basílio de Resende ofm

CARTA A UMA JOVEM MONJA


CARTA A UMA JOVEM MONJA

Montes Claros, 11/04/15.


Gosto da antropologia bíblica, o ser humano é: corpo alma espírito coração mente, em relações. Mas o ser humano total não é um indivíduo (corpo alma espírito coração mente, em relações), ele é um coletivo (corpos almas espíritos corações mentes, em relações). Antoine de Saint-Exupéry disse que o ser humano é uma rede de relações, “o homem é um nó de relações”


Um tempo que vivi em Montes Claros, foi-me solicitado acompanhar e dirigir espiritualmente algumas jovens monjas. Eu sempre estive convicto e digo que eu não sou diretor espiritual de ninguém. Quem é o Diretor espiritual de cada indivíduo é uma Pessoa que está presente e age em cada indivíduo humano e em todos: o Espírito Santo que inspira profetas, alimenta místicos, acompanha solitários, ilumina sábios, anima militantes, fortalece mártires.


Eu sou, apenas, um irmão e um possível amigo das pessoas que me procuram para compreenderem melhor o que está acontecendo com elas mesmas, às vezes, entre elas e as outras pessoas, em sua busca de sabedoria, perfeição, santidade.


Minha jovem Irmã,

no seguimento de Jesus encarnado crucificado morto e ressuscitado,

o Senhor lhe dê a Paz!


Quero continuar a reflexão do nosso último encontro, no qual você estava assustada ao descobrir – pela leitura de um texto – que você cultivava um ídolo. O texto lhe indicava para dar um nome a esse ídolo. E você o nomeou como a própria Onipotência.


Você procurou compreender a origem desse ídolo na sua mente infantil de 7 anos: o ídolo da onipotência (suas reações de autossuficiência).


A teoria psicanalítica da constituição do sujeito humano pode nos ajudar a lançar luzes sobre este fenômeno psíquico da auto percepção e consciência de si, em cada criança. A teoria propõe que o bebê, recém-nascido, não tem noção de si, como um indivíduo, distinto e separado do seu ambiente: mãe, as outras pessoas, as coisas, os sons, as formas e os sabores; tudo, o bebê sente, percebe, manipula como parte de si mesmo. Sobretudo, a nutriz (mãe biológica ou outra que lhe cuida).


A criança, então, desenvolve o que a teoria psicanalítica chama de narcisismo primário; a sensação, ou percepção, ou alucinação de onipotência, pois um simples gemido seu ou um choro, tem o poder de mobilizar a atenção e os cuidados de que necessita: o alimento, o banho, o colo, o prazer de satisfação. Ela se alucina como onipotente e desenvolve a fantasia de um Ego onipotente. Todo bebê desenvolve essa alucinação de onipotência.


Essa alucinação de onipotência acontece em todo psiquismo nos primeiros meses de vida. Todo bebê humano se percebe instintivamente, antes da reflexão consciente, como este pequeno todo-poderoso. E não há nenhum erro moral, ou religioso neste fenômeno. Não é ‘pecado’, nem infidelidade ao Espírito Santo, como mestre interior de cada pessoa.


No seu caso pessoal, no esforço de descobrir, de forma consciente, quando iniciou a criação deste mito pessoal ou idolatria do Ego, autossuficiente e onipotente, você o percebeu como uma reação de defesa e sobrevivência da criança de 7 anos, separada da mãe pelo pai, e tendo de cuidar de si, de 2 irmãozinhos menores, e da casa... ir à escola, cozinhar, cuidar da casa... Você era a senhorazinha que teve que se bastar, ser autossuficiente, sentir-se onipotente. Tudo isto aconteceu por necessidade de sobreviver fisicamente e de se afirmar psicologicamente, e provar a si mesma e a outros (sobretudo, ao seu pai) que você era capaz.


E, depois, veio a puberdade, a adolescência, a juventude... e você teve que se virar sozinha, ao nível de pessoa (na ausência da mãe). Seu mundo se ampliou, para além da casa, da família, do grupo de jovens na Comunidade da Igreja, outros grupos de jovens, movimentos de espiritualidade, vocação monacal (peregrinação a Aparecida).


Agora, a jovem monja já num mosteiro, se confronta com suas lutas e suas procuras do verdadeiro encontro com o Amado e de oferecer a Ele – como homenagem - uma pessoa e personalidade bem integrada e capaz de superar os obstáculos pessoais e as dificuldades de conviver com pessoas de temperamentos e culturas tão diversas. Você pensava que tudo seria mais fácil.

Na vida humana e na existência cristã, - tanto na sociedade humana no mundo como na comunidade humana no Mosteiro, - há uma luta e um combate constante em busca da perfeição do verdadeiro e sábio amor a si mesmo/a, às outras pessoas, ao ambiente e casa comum, a Deus. Guimarães Rosa, um escritor, pensador, e místico, num romance genial “Grande Sertão: Veredas”, repete várias vezes: “Viver é perigoso”. Jesus disse que no seguimento dele, quem o quiser seguir, “precisa pegar sua cruz, cada dia, e segui-lo”. A vida humana, e cristã, é um combate. São Paulo, no fim de sua existência, escreveu a seu jovem discípulo e amigo Timóteo “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4,7) e, também, o exortou a combater “o nobre combate, com fé e boa consciência” (1Tm 1,18s.6,12).


O inimigo está sempre à espreita, qual leão devorador (conforme a advertência da Litura Breve das Completas de terça-feira, 1Pd 5, 8-9ª). Jesus nos advertiu que este adversário é o pai da mentira, que ele mente desde o início, desde o ‘paraíso’. Ele tentou também Jesus. Ele sempre quer nos seduzir com as boas coisas que o Criador nos deu.


Às pessoas, ainda ligadas ao nível sensorial – ao nível e ao mundo das sensações de prazer e dor – ele as engana e tenta seduzi-las com os prazeres dos sentidos corporais: ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar, (com os 3 prazeres sensoriais dos chamados pecados capitais: gula, preguiça, luxúria).


Às pessoas que já encontraram um certo equilíbrio e sábia disciplina do seu ser integral – corpo, alma, espírito, coração, mente, em relações – ele procura tentá-las e seduzi-las com um amor próprio desordenado, tipo: ‘eu faço o que quero, ninguém me manda, eu sou dono/a de mim mesmo/a’; tenta induzi-las a uma independência e autonomia orgulhosa, a tal idolatria do Ego (com os 4 prazeres egoicos e mentais dos chamados pecados capitais: orgulho/soberba/vaidade, cobiça/avareza, inveja, ira).


Sabemos que o amor próprio, - quando ordenado, sensível, sábio, equilibrado, - percebe os outros como diferentes e os respeita e ama como individualidades; e como ama e respeita a si mesmo/a, igualmente, ama e respeita as outras pessoas. Como Jesus, o nosso educador e reeducador, nos diz: “ama o teu próximo, a tua próxima, com tu amas a ti mesma/o; o bem que queres para ti, faça-o às outras pessoas; o mal que não queres para ti, não o faça às outras pessoas”.


Em minha pobre experiência de ‘formador’ ou de ‘diretor espiritual’; de estar ao lado, perceber e acompanhar as pessoas que estão despertadas para uma caminhada espiritual e que começam a saborear os prazeres do nível espiritual, da intelectualidade e da espiritualidade, noto as ciladas do inimigo assediando-as. O inimigo do humano pleno – corpo, alma, espírito, coração, mente, e, relações – tenta e procura seduzir essas pessoas, com o orgulho espiritual e o desprezo das outras. Quer seduzi-las para que se sintam como seres melhores e superiores, como predestinadas; como se fossem de natureza angelical, e não simples pessoas humanas, humildes, simples, amorosas e servidoras das outras pessoas. É o orgulho espiritual.


Jesus não se deixou enganar e seduzir, “se és o Filho de Deus, transforma estas pedras em pão... lança-te daqui abaixo... eu te darei o mundo inteiro...”. Ele assumiu uma vida humana simples, pobre, amorosa, servidora, solidária... acolhia, cuidava e atendia as pessoas como estavam, em sua condição de fragilidade e pecado. Não esperava que fossem melhores ou santas para amá-las. Ele era como um médico que cuidava e se cuidava – do corpo, da alma, do espírito, do coração, da mente e das relações –; ia ao deserto e à solidão da noite nas montanhas para cultivar suas relações com o Pai; para ver, rever, projetar suas ações e decisões. Convivia e tomava refeição com as pessoas; ouvia e acolhia os pedidos das pessoas; comovia-se diante de pequenos gestos como da pobre viúva ao oferecer suas esmolas no templo; aceitava os carinhos e afetos das pessoas mesmo quando escandalizava os presentes preconceituosos ou interesseiros (o fariseu que o recebeu para uma refeição ou Judas com Maria que lhe ungiu os pés).


Jesus mostrou-se uma pessoa profundamente humana. Não se apropriou de sua igualdade com Deus (Fp 2). Foi humano em todas as situações. Ele é o nosso modelo ideal. Sermos como Ele, segui-Lo, cada dia, até à morte de Cruz. Estamos crucificados com Ele. São Paulo é um modelo para nós nas suas lutas pessoais (Rm 7) e no seu seguimento e identificação com Jesus (Gl 2,20).


Um grande e afetuoso abraço, minha jovem amiga e irmã, no combate da vida, no seguimento de Jesus,

Frei Basílio de Resende ofm

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1 Comment


rosariopazplena
rosariopazplena
Jun 13, 2022

Paz plena. Não é nada fácil ENTENDER a DEUS e principalmente ao Espírito Santo. Passei a ter uma melhor compreensão de Deus quando comecei a receber revelações do plano espiritual em janeiro de 1980. Esse minha compreensão sobre Deus ficou mais clara e lúcida ainda quando em agosto de 1983 recebi uma revelação da Espiritualidade, que me explicou o mistério do dogma sobre a Santíssima Trindade. Divulguei essa revelação, 17 anos depois, numa carta de 29/01/2000 para um bispo que foi meu contemporâneo no seminário por 7 anos (1957 a 1962 e 1965/1966).

O bispo deve ter levado um imenso susto e nada me respondeu.

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