Em diferentes ocasiões fui solicitado a responder a algumas perguntas.
Achei que poderia ser interessante para quem me conhece verificar as respostas despretensiosas que dei às perguntas que me fizeram:
uma para um boletim do Noviciado "BENE DITO", outra para o jornal "Lírio' da Paróquia Santo Antônio de Visconde do Rio Branco, outra para a Maria Fernanda Chaves de Moura do Colégio Santo Antônio de BH, uma para a Pastoral Vocacional da Província Santa Cruz (já publicada neste Blog; "Patilhando o dom da Vocação). e outra entrevista sobre a África para Ana Clara, aluna do CSA.
PARA O NOTICIÁRIO “BENE DITO” 2013
Em 2013, eu estava residindo no Noviciado São Benedito, em Montes Claros. Eu fui ordenado presbítero no dia 14 de julho de 1963, em Divinópolis. Portanto nesse ano eu vivia 50 anos, de padre, Bodas de Ouro. Os noviços responsáveis pela edição de um noticiário interno da Província, quiserem fazer uma entrevista comigo por essa razão.
1. No início do ministério do senhor, quais foram os maiores desafios? (Fr. Marcos)
Recebi a ordenação presbiteral em 1963, em plena celebração do Concílio Vaticano II.
Então, no início do meu ministério, vamos considerar a década de 1960.
Tempos de mudanças drásticas e de revoluções:
- no seio da Igreja – seus agentes ordenados e leigos e em suas comunidades, grupos e movimentos eclesiais;
- no mundo. nas nações e sociedades, em plena ‘guerra fria’ – grupos de nações alinhados e não alinhados a um polo ou outro;
- tempos da emergência da juventude e dos movimentos de jovens em todos os níveis, nas Igrejas e no mundo;
- nas universidades, onde jovens líderes e professores pensavam e agiam criticamente nas sociedades...
No mundo e a na Igreja, as pessoas e os grupos e movimentos estavam divididos ‘ideologicamente’ entre ‘direita’, ‘esquerda’ e ‘centro’; entre ‘conservadores’ e ‘progressistas’; entre ‘comunistas’, ‘socialistas’ e ‘capitalistas’. O mundo, e nele a ‘igreja’, estava dividido num esquema maniqueísta, em que cada grupo ‘demonizava’ os outros.
O grande desafio para mim, cidadão desse mundo e sacerdote de Cristo, foi manter a atitude de diálogo, de convívio, de sonhar ombro a ombro com todos esses diferentes interlocutores, de dentro da Ordem e da Igreja, e de qualquer grupo humano religioso ou ideológico na Sociedade humana de meus inícios no ministério.
Todos, e cada um ou cada uma, são seres humanos em busca de uma resposta para suas inquietações e aspirações, em busca de um sentido para suas existências e para o mundo. Eu acolhia cada pessoa e suas relações como um valor que Deus ama e quer encaminhar e redimir em seu Filho Jesus com o dom do seu Espírito na construção de um mundo mais humano, fraterno, justo.
Procurava intuir e descobrir a seiva de verdade no que buscavam para si e para os seus e se oponham aos outros.
Eu procurava sensibilizar as pessoas para um sentimento e uma atitude de reciprocidade e de respeito pelos outros, de saber conviver, dialogar e se enriquecer com o diferente. Criar e desenvolver uma ideologia de ‘coexistência pacífica’ entre grupos opostos. Pessoas que me criticavam, diziam que eu queria “dialogar até com o Diabo”.
2. Quais foram as suas primeiras motivações para o ingresso na vida franciscana? (fr. Felipe)
Para o ingresso na vida franciscana, eu segui meu irmão mais velho, Sebastião, que estava no Seminário em Santos Dumont com meus primos, Helvécio (o Jaburu) e Rubens. Estava sendo levado por uma onda.
Mas a decisão mesmo de seguir o caminho da vida consagrada franciscana veio aos 18 anos, ao ler o livro “Deus e os Homens” de Pierre van der Meer de Walcheren. Deus usou este livro para se revelar a mim como uma Pessoa a amar e a ser amada e o seu projeto para o mundo e para os seres humanos.
3. Em sua vivência missionária na África o que mais lhe marcou? Como é estar e ser presença franciscana numa cultura diferente? (fr. Carlos)
A acolhida que recebi dos confrades e das comunidades católicas de Moçambique. A Missão é um intercâmbio entre Fraternidades da Ordem e entre Comunidades da Igreja.
Lá em África fui viver minha paixão pelo ser humano e pelo mundo, como Jesus me mostrou e Francisco viveu. Os africanos são um belo e profundo rosto humano. São grandes nos sofrimentos e nas alegrias. Sinto saudades da beleza negra da África.
4. Celebrando 50 anos de Concílio II, quais são os pontos positivos e os negativos da reforma litúrgica em seu ministério? (fr. Tiago)
O grande ponto positivo foi celebrar ‘os mistérios’ em vernáculo, para que o povo participante possa beber na fonte, com o coração e a inteligência, a espiritualidade litúrgica. As fórmulas latinas ficam ‘mágicas’ para quem não compreende a língua.
O negativo, são as celebrações muito ruidosas ou pouco reflexivas e orantes. ‘Fazem-se’ ritos, com os presentes alheados, não participantes.
5. Diante das dificuldades enfrentadas pela Igreja, especialmente a Vida Religiosa, na sua visão, qual a grande motivação para um jovem, ou uma jovem abraçar a vida religiosa? (fr Juliano)
A grande motivação para uma pessoa jovem abraçar a Vida Religiosa é fazer a experiência pessoal com Jesus Cristo, o Filho de Deus, através da fé e adesão à sua Pessoa como Ele se revela e se comunica nos Evangelhos.
E a partir daí uma autêntica paixão pelas pessoas e pelo mundo segundo o desígnio do Pai revelado no Homem/Deus Jesus.
Essa paixão por Deus, pelas Pessoas humanas e pelo Mundo, deve ser cultivada por uma vida íntima de oração e de busca do Rosto Humano de Deus: em Jesus de Nazaré.
6. Recentemente o Papa eleito, escolheu por nome Francisco e, apesar de ser Jesuíta, tem conquistado as pessoas com seus gestos franciscanos. O senhor sendo “franciscano”, como se sente diante dessa nova postura do sucessor de Pedro? (fr. Renieverton)
Eu me sinto encantado com o dom de uma pessoa, que se revela uma autêntica testemunha do Deus de Francisco, cheio de ternura e de compaixão pelas pessoas empobrecidas e carentes de afeto e de cuidado.
O bispo de Roma, Francisco, que preside a Igreja dos crentes católicos na caridade, vê nas pessoas o rosto de seu Deus, sobretudo no rosto das pessoas mais fragilizadas pela enfermidade, pela dependência, pelo sofrimento moral, físico ou emocional, pela culpa e condenação. O bispo de Roma, Francisco, vê e serve Jesus crucificado e carente de amor e de afeto, nessas pessoas todas.
DEUS SEJA LOUVADO EM SUAS OBRAS! NÓS SOMOS AS OBRAS DE DEUS - EU E QUEM SE OPÕE A MIM!
Entrevista para o Noticiário do Noviciado “BENE DITO” 2013
Montes Claros, Noviciado São Benedito, 2013
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Frei Basílio e Visconde do Rio Branco
Com Roberta VRB Date: Sun, 27 Oct 2013 12:26:02 -0200 Subject: Entrevista Frei Basílio From: robertavrb@gmail.com To: freibasilioofm@hotmail.com
1- Qual a sua naturalidade e onde foi sua formação religiosa?
Nasci em Coronel Xavier Chaves, uma pequena cidade no Campo das Vertentes, perto de São João Del Rei.
Fiz o Ensino Fundamental e Médio, em Santos Dumont, no Seminário Seráfico Santo Antônio dos Frades Franciscanos, de 1950 a 1956. Fiz o Ano de Noviciado e a Filosofia, em Daltro Filho, Rio Grande do Sul, de 1957 q 1959. Fiz os estudos de Teologia em Divinópolis, Minas Gerais, de 1960 a 1963.
Já, como padre, estudei Psicologia na UFMG, de 1974 a 1978 e fiz Psicanálise no IBRAPSI (Instituto Brasileiro de Psicanálise e Grupos), no Rio de Janeiro, uma instituição criada por estudiosos brasileiros e argentinos, nomeadamente Gregório Barremblit, do Grupo Plataforma de Buenos Aires, que tinha como projeto articular o marxismo (Teoria de Constituição da Sociedade) com a psicanálise (Teoria da Constituição do Sujeito).
2- Quantos anos de vida sacerdotal?
50 anos de Ministério Presbiteral. Fui ordenado em Divinópolis, dia 14 de julho de 1963.
3- Quando o Sr. participou dos trabalhos como Frei no Convento Santo Antônio, hoje Paróquia de Santo Antônio?
Em 1966. Residia no Convento Santo Antônio, onde Frei Zacarias era o Guardião, morávamos lá, Frei Metódio, Frei Orêncio, Frei Fidelis e eu. Apenas, um ano, mas foi um dos tempos mais felizes de minha vida. VRB é o meu primeiro amor.
4- Conte-nos um pouco sobre suas experiências em missões na África - Moçambique e Bélgica - Bruxelas.
Estive em África de 20/10/1989 até 07/12/1999: uma década.
Ofereci-me como voluntário para o Projeto África da minha Ordem, cujo Superior Geral pedia aos Frades para viver em África, como sinais de paz, de reconciliação, de simplicidade de vida como irmãos e em fraternidades, em meio a situações de conflitos e de guerras de raças, de culturas e de crenças diferentes.
Queríamos apenas ser portadores da Paz e do Bem, como dons do Evangelho de Cristo, à maneira de Francisco de Assis.
Foi um tempo de profundas experiências sobre o que há de melhor e de pior no ser humano. Há coisas difíceis de contar.
Sinto saudades da África, da beleza e da cultura negras.
Em Bruxelas, fiquei 3 anos, a pedido do meu Superior Geral para viver lá numa fraternidade internacional, de antigos missionários, que falassem francês e inglês, para receber e preparar os novos missionários da Ordem que serão enviados para os projetos missionários de evangelização (em África, Ásia e Amazônia), ecumenismo com Ortodoxos (na Rússia e Cazaquistão) e de diálogo inter-religioso com Budistas (na Tailândia), com Muçulmanos (em Marrocos e Turquia).
Aprendemos que o mundo inteiro é nossa casa comum, onde devemos viver e conviver, trabalhar, sofrer, sonhar juntos, - como irmãos e irmãs de culturas e crenças diferentes, - construindo sociedades na justiça, na paz e no cuidado pela ecologia;
5- Qual é o segredo de tanto carinho das pessoas com o Sr. apesar do tão pouco tempo vivido em nossa cidade de Visconde do Rio Branco?
Muito obrigado, a vocês de “O Lírio” e a esta Paróquia Santo Antônio pelo carinho com que me recebem sempre. Como também a toda Visconde do Rio Branco.
Esta é uma cidade e um povo ao qual tenho muita afeição e gratidão. Aí sou agraciado com as amizades mais preciosas e significativas de minha vida.
Creio que o segredo de tanto carinho que as pessoas têm para comigo é que as amo, rezo por elas, coloco-as todas na palma da mão de Deus e agradeço tanta amizade e amor gratuito de tantas pessoas. Mas sei que existem e são um tesouro a agraciar minha pessoa e minha vida.
O maior valor da vida é a amizade.
6- Quando da sua visita recentemente, o que de mais forte lhe veio na memória?
Foi a lembrança de tantas pessoas e famílias.
Gostei muito de Santo Antônio ser agora uma Paróquia e com um Sacerdote jovem, simpático e acolhedor do povo.
Feliz o povo que tem um Sacerdote amigo de Deus e amigo de Seu povo. Lembrei-me de muitas pessoas que não pude encontrar.
7- Deixe uma mensagem de como viver os ensinamentos e exemplos de São Francisco nos dias de hoje.
Procurem, esforcem-se por :
- Ser uma pessoa que se sinta amada por Deus em Jesus Cristo e que trate todas as pessoas e coisas como suas irmãs;
- ser uma pessoa apaixonada por Deus, pelas pessoas, pelo mundo, pela natureza;
- ser alguém que vê em tudo que é belo – nas pessoas e nas coisas – como espelho da Beleza do seu Criador;
- ser uma pessoa cheia de sensibilidade e compaixão para com aqueles que sofrem - de todas as formas - e ver nelas o espelho de seu Senhor Jesus que se fez humano e solidário com os que sofrem.
- Sonhar por um mundo de justiça, de paz, de alegria, de ação não-violenta, de solução de conflitos pelo diálogo e pelo amor.
Assinado: Frei Basílio de Resende ofm, outubro de 2013
X X X
SOBRE SUA EXPERIÊNCIA EM ÁFRICA
RESPOSTAS A UM QUESTIONÁRIO
DE MARIA FERNANDA CHAVES DE MOURA
- um olhar subjetivo e pessoal –
(Respostas a Maria Fernanda, uma prima de 14 anos, cursando a 8º ano, do CSA, a umas perguntas sobre a África)
1 - Nome, idade, local onde reside.
Frei Basílio de Resende ofm - no civil: Sylvério Bosco de Resende – estou com 84 anos, nasci no dia em que se celebra as Chagas de São Francisco, 17 de setembro de 1937, no mesmo ano em que nasceu o seu tio Dedeu. Moro, atualmente, no Noviciado São Benedito, em Montes Claros, MG.
2 - Com qual intuito o sr foi para a África?
Respondi ao apelo do Ministro Geral, da Ordem dos Frades Menores, que escreveu, em 1982, uma carta a toda a Ordem, “A África nos Chama (The Call of Africa)”.
Pedia frades voluntários para viver, na África, em fraternidades internacionais, inseridos no meio dos povos africanos - muitas vezes em conflitos tribais -, tratando e servindo a todos como irmãos, sem hostilizar ninguém.
Afinal, todos nós, - diferentes em raças, etnias, culturas, crenças, religiões, costumes – temos um único Criador deste Universo inteiro e deste nosso Planeta. Somos todos humanos e iguais em humanidade; temos as mesmas necessidades de viver, sobreviver, conviver, com dignidade e respeitando os diferentes.
Então, meu intuito ao ir para a África, foi de viver lá, minha vida humana, cristã, franciscana, como eu vivia aqui. A serviço do sagrado que vige em cada ser humano, de qualquer lugar deste planeta,
3 - Quais países visitou?
Fiquei residindo em Moçambique.
De lá, fui a trabalho, por várias vezes, a Lusaka, capital da Zâmbia; lá a Ordem franciscana - OFM, OFM CAP e OFM CONV – mantêm um Centro de Formação Franciscana (Franciscan Formation Center); a primeira vez, fiquei por 3 meses seguidos.
Estive várias vezes, em Pretória, na África do Sul; a primeira vez fiquei por 2 meses, substituindo um frade em suas férias em Portugal.
Estive, pro várias vezes em Harare, capital do Zimbábwe, e numa cidade do interior; quando morei em Manica, Moçambique, fazia compras num super mercado em Mutare, Zimbábwe.
Estive em congressos de formadores, em Nairobi, capital de Kênia.
4 - Qual foi a sua maior realização profissional na África?
Trabalhar, como formador de jovens africanos, em formação para a vida franciscana, em diversos níveis e estágios, do nível médio, ao nível de postulantes, estudantes de filosofia e de teologia; fui, também, professor de psicologia no Seminário Maior de Maputo, capital de Moçambique.
Fui vigário paroquial de Comunidades católicas em diferentes cidades, o maior tempo nas periferias de Maputo.
Trabalhei, também, na formação humana para jovens religiosas em formação, e dei cursos de para formadores e formadoras africanas.
Também, atendi em processos terapêuticos de algumas pessoas, grupos, situações de resolução de conflitos de várias espécies.
5 - Qual foi o maior desafio que o sr enfrentou na África? O maior desafio?
Esta pergunta, me fez viajar na memória para diferentes situações, tempos e lugares: assaltos, acidentes, incompreensões humanas em situações de loucuras, etc. Coisas inimagináveis.
Mas o maior desafio mesmo foi – na África, como em qualquer outro lugar ou ambiente - manter-se como uma pessoa humana, em uma outra cultura cheia de contrastes; administrar os próprios medos, ter coragem e lucidez para ouvir e tentar compreender as pessoas em suas situações e necessidades, sofrimentos e alegrias, sonhos e expectativas; estar atento aos conflitos que surgem e ajudar as pessoas a dialogar, a ouvir umas às outras, a responder da forma mais adequada à resolução do conflito, ou ao menos, a compreender que tudo acontece devagar: saber estabelecer as metas e os objetivos, e a esforçar-se por ser parte da solução humana dos problemas e não a ser o problema.
6 - O sr. queria voltar a morar no Brasil? Por que?
Eu decidi a voltar para o Brasil, porque eu coloquei como meta para mim, dedicar uma década da minha vida útil à África. Se eu voltasse antes disto, é porque não estava sendo útil, eficaz, eficiente. Ou eu estava me tornando desumano lá.
Desembarquei em Maputo, no dia 20 de outubro de 1989; deixei definitivamente Maputo, dia 03 de dezembro de 1999. Fiquei até 08 de dezembro de 1999, em Pretória, despedindo de amigos de lá.
Eu estava feliz, lá, e dava o melhor de mim, em tudo o que fazia, e em cada encontro. Amava pessoas, famílias, grupos, comunidades. E me sentia amado também.
7 - Qual foi a experiência mais interessante que o sr vivenciou?
Outra pergunta que me leva a um universo de vivências, as mais interessantes.
Tanto a vivências de foro íntimo e pessoal, que em geral a gente não fala, por exemplo, uma mulher africana, inteligente, madura, bela, de espiritualidade me disse, em termos confidenciais, sem se insinuar: “Se você não fosse branco, eu diria que você me enfeitiçou.” Eu ouvi, calado, emocionado. Após um tempo de silêncio, eu lhe respondi: “Você já ouviu falar em ‘feiticeiro branco’? Dizem que são os piores. Quem sabe você caiu nas mãos de um?”.
Há muitas outras vivências de natureza, mais social, mais profissional, mais cultural.
Conheci grandes pessoas, artistas geniais, pessoas cultas e inteligentes.
Também, conheci pessoas que são o avesso do que se espera de um ser humano.
8 - O que mais gostou durante sua viagem?
A emoção do diferente, do nunca visto, e que nos fascina!
Paisagens geográficas que me deram um choque de beleza e encantamento.
Fisionomias humanas encantadoras, pessoas de beleza, nobreza de caráter, simpatia, espontaneidade encantadora.
Ter me tornado mais humano, mais sensível, mais encantado com o mosaico humano.
O povo africano sabe viver, dançar, rir, festejar, sofrer, brincar, rezar com o corpo, com a alma, com arte e dança.
9 - O que o sr vivenciou em relação à fome, nos lugares que esteve?
A fome! A pobreza! Viver com pouco!
O povo africano é trabalhador, é agricultor, é pastor de gado, de cabritos, é comerciante.
Sabem viver com o que produzem.
Grande parte da fome é consequência da guerra, em Moçambique, era uma guerra de desestabilização.
Ao chegar na África, compreendi a guerra, como fonte de enriquecimento de muitas pessoas, grupos e instituições inescrupulosos, do próprio país e do estrangeiro: os chefes da guerra e os políticos locais, os homens armados do governo e dos rebeldes, as empresas de produção de armamentos, as empresas de montagem de veículos que eram destruídos e queimados, mas as instituições de paz e de desenvolvimento das Nações Unidas e das Igrejas, conseguiam financiamento para substituí-los por outros.
Na guerra as pessoas com uma arma na mão, acham que podem fazer o que quiserem: intimidar, roubar, estuprar, torturar, impor medo e pânico, destruir, sentir-se poderosas, importantes, matar...
A guerra, colocava armas e munições nas mãos de pessoas e isto dava-lhes permissão de fazer o que quisessem.
Para minorar o problema da fome, havia a Cáritas Internacional da Igreja Católica, a Fao, Organizações das Igrejas Protestantes Tradicionais – a Luterana, a Anglicana, a Presbiteriana, etc.
Além de cooperar com essas instituições beneficentes, às pessoas que me procuravam, com receita de remédio eu comprava para elas, um pão se dava, emprestava dinheiro para pequenas necessidades ou pequenos negócios. Isto, com a informação e anuência dos meus superiores lá, com os auxílios que eu recebia de pessoas ou comunidades daqui do Brasil.
10 - O que o sr reparou na população, em relação à qualidade de vida, nutrição e saúde?
Moçambique foi colonizado por Portugal. Ficou independente, em 1975, em consequências da Revolução dos Cravos, em Portugal, contra o regime de Salazar (já falecido em 1970).
Vários grupos que lutavam pela independência foram unificados sob a liderança de Eduardo Mondlane, um antropólogo humanista, e Samora Machel, um guerrilheiro de orientação marxista-leninista, e outras lideranças de um lado e de outro, num partido político único, a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique).
Quando cheguei em outubro de 1989, havia uma feroz guerra civil, entre a Frelimo, partido único no poder, apoiado pelo bloco marxista-leninista liderado pela Rússia e China, e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), apoiado pelo bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos.
Esta guerra iniciou-se logo depois da independência em 1975.
O país estava arruinado, dividido, empobrecido. Os indicativos sociais, segundo órgãos das Nações Unidas - quanto à economia, produto interno bruto, condições de alimentação, moradia, alimentação, expectativa de vida, educação, etc – eram as piores do mundo.
A guerra durou 16 anos. O Acordo Geral de Paz, foi assinado em Roma, no dia 04 de outubro de 1992, entre Joaquim Chissano, Presidente do País e da Frelimo, e Afonso Dhlakama, Presidente da Renamo.
A Igreja Católica se envolveu nos empenhos para esta reconciliação do povo de Moçambique, convencendo as lideranças dos dois lados a negociar a Paz e sediando em Roma os negociadores, na Comunidade Católica Santo Egídio. O Presidente Chissano disse que quem mais contribuiu para esta Paz, foram os filhos de São Francisco de Assis.
Ai, agora, a tarefa histórica foi reconstruir o País; reconciliar as pessoas, instituições, organizações; cuidar das feridas e dos feridos da guerra, dos empobrecidos; reacender os sonhos e esperanças de uma nova sociedade. As Igrejas viviam um espirito de ecumenismo e ajuda mútua.
11 - O sr observou doenças na população que são mais específicas ou comuns na região?
A doença mais grave em Moçambique, e em geral na África, é a malária. É a que mais mata na África.
Além das guerras, das consequências da subnutrição.
A AIDS, também fez muitas vítimas, em alguns países. Não consultei os dados atuais.
Duas observações finais:
Uma: Eu e a África –
A primeira vez que conheci a África, foi em Nairobi, Kênia, num Congresso Internacional de Formadores da Ordem, em novembro de 1985, por 18 dias. Fui como representante da Conferência Brasileira. Eram 15 Conferências no mundo. Foi, então, que tomei a decisão de “mergulhar no mistério da África”.
Estive uma terceira vez, como Visitador Geral da Ordem, em 2003, por 4 meses, em 9 países: falantes do francês - Madagascar, Ilhas Maurícias, Rwanda, Burundi – e falantes do inglês – Kênia, Uganda, Zâmbia, Malawi, Tanzania – Ouvia e conversava com cada frade individualmente, reunia com a fraternidade e discutia com eles os problemas, reunia com as lideranças das comunidades católicas, visitava as Irmãs Clarissas, presidia a Eucaristia e o Capítulo Provincial. Esta foi uma experiência exigente.
Outra: Mia Couto –
Um genial escritor moçambicano. Em Moçambique tive o privilégio de conhecê-lo e de encontrar-me com ele em algumas ocasiões. Muito amigo do Brasil. Diz que aprendeu a escrever com Guimarães Rosa e Adélia Prado. Já esteve várias vezes no Brasil, inclusive em Belo Horizonte. Ele fez uma Aula Inaugural, chamada de Aula de Sapiência num Instituto Superior em Maputo, com o nome de “Os Sete Sapatos Sujos”. Vale a pena ler. Eu coloquei esse texto no meu Blog: freibasilioderesende.org
Noviciado São Benedito, Montes Claros, MG. 04 de novembro de 2021
Frei Basílio de Resende ofm,
E-mail: freibasilioofm@hotmail.com
Blog: freibasilioderesende.org
PROJETO PARTILHANDO O DOM DA VOCAÇÃO
Perguntas:
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1. Como você sentiu o chamado de Deus para iniciar a caminhada religiosa?
Creio que Deus me chamou à caminhada religiosa, me fazendo nascer numa família cristã, numa cultura católica de um ambiente rural de Minas, no Campo das Vertentes.
Estando na proximidade com os Frades do Colégio Santo Antônio, de São João Del Rei, fui levado a acompanhar primos e meus irmãos mais velhos e ingressar no Seminário Seráfico Santo Antônio, em Santos Dumont.
Com 18 anos, ao ler o livro “Deus e os Homens”, de Pierre van der Meer de Walcheren, editora Agir, me foi dada a noção de Deus, como um ser pessoal que criou o mundo e as pessoas, ao qual eu poderia amar e servir - e por quem ser amado, - mais do que a uma mulher, decidi ingressar na Ordem dos Frades Menores.
2. Ao iniciar o acompanhamento vocacional quais foram as suas expectativas e anseios?
Ao ingressar no Seminário, com 12 anos, em 1950, minhas expectativas e anseios eram estudar até pelos 16 anos.
Não pensava em ser Frade ou Padre; vivia o sentimento religioso, com as fantasias, sonhos e descobertas de um adolescente entre outros, na rotina e nas pedagogias do internato.
3. Por que você seguiu o chamado vocacional na Ordem dos Frades Menores?
Em novembro de 1955, eu cortava o cabelo de um Frade que vivia e trabalhava no Seminário, e ele me falava de um livro que lera e quis me emprestá-lo, “Deus e os Homens”.
Era a história da conversão do autor e sua família, numa época de grave crise de sentido para a vida e o mundo, no entre guerras mundiais. O livro causou uma revolução mental em mim.
Creio que Deus usou este encontro com o Frade e o livro - como mediação - para me mostrar um outro horizonte na vida e me chamou a si e ao seu plano para o mundo e os seres humanos.
Em setembro, eu havia falado com o Diretor Espiritual que não voltaria das férias para o Seminário no ano seguinte; que iria me casar, entrar para a política e mudar o que estava errado no Brasil (afinal, todo adolescente - em suas fantasias onipotentes - acha que vai fazer feliz uma mulher e mudar o mundo). Ele me havia dito: “Muito bem. O Brasil e a Igreja precisam de bons leigos e bons pais de família.”
E, então, um mês depois, vem aquele encontro com o Frade e o livro. O efeito do livro em mim foi tal que voltei ao Diretor Espiritual e perguntei: “Se eu quiser voltar para o Seminário, os senhores me aceitam?” Ele respondeu: “Sim. Você é quem queria ir embora”.
4. O que mudou na sua vida depois de entrar e iniciar o acompanhamento vocacional na OFM?
Mudou muito, porque tive uma sólida formação intelectual, humana e cristã:
· aprendi a disciplina e o gosto pelos estudos e pelas leituras;
· experimentei a alegria e as emoções de boas amizades;
· fui iniciado nas vivências e descobertas do sagrado, do belo que é Deus mesmo, e do que Ele criou - no amadurecimento da fé na mistagogia da liturgia e no testemunho de vida;
· aprendi a alegria de amar e de ser útil, a gostar de viver e de conviver, a gostar de estar só comigo mesmo e de estar com as pessoas e interagir com elas.
5. Se pudesse resumir essa experiência em apenas uma palavra, qual seria?
Resumo em três frases:
Deus é belo.
Deus é amor.
O ser humano - se o quiser - pode ser uma epifania da beleza e do amor de Deus para as outras pessoas e para o mundo.
6. Qual a mensagem que você deixa para um Jovem vocacionado?
ü Seja sincero e honesto com você mesmo.
ü Seja sincero, honesto e generoso com as outras pessoas.
ü Ame a beleza e o amor de Deus refletidos nas coisas, nas pessoas, nas artes, na música, na poesia.
ü Ame o Deus mesmo: o inconcebível, o inefável, misterioso, invisível, belo e amoroso; o Deus Trino e Uno: Pai, Filho, Espírito Santo; o Deus de Jesus Cristo, amado por São Francisco de Assis.
Frei Basílio de Resende ofm
E-mail: freibasilioofm@hotmail.com
Blog: freibasilioderesende.org
Noviciado São Benedito, fevereiro de 2021
Montes Claros – MG
(E-mail, enviando o texto, dia 15 de fevereiro de 2021:
Frei José,
Bom dia! Paz e Bem!
Aqui, em anexo, vai o texto "Partilhando o Dom da Vocação".
Creio que ficou um pouco extenso. Mas, pensei, se é partilha de experiência pessoal, embora de uma época distante, tem a utilidade de um depoimento histórico.
Eu ingressei no Seminário Seráfico Santo Antônio, em Santos Dumont, aos 12 anos, em 1950. Lá eu fiquei até 1956, cursando os 4 anos do Ginásio e os 3 do Clássico; era essa a nomenclatura de então.
Fale com o Frei Adenilton que, se o texto não se adequar ao projeto específico em vista, pode deixá-lo de lado.
Bom trabalho!
fr. Basílio)
OUTRA ENTREVISTA SOBRE A ÁFRICA E A FOME
ENTREVISTA COM ANA CLARA
DO COLÉGIO SANTO ANTÔNIO BELO HORIZONTE ,.
Noviciado São Benedito
Montes Claros, 01 de agosto de 2023
1. Qual seu nome completo, sua idade e com o que trabalha/trabalhou?
Frei Basílio de Resende ofm (nome de Batismo e civil: Sylvério Bosco de Resende), sou natural de coronel Xavier Chaves, nasci aos 17 de setembro de 1937, então estou com 85 anos.
Moro e trabalho no Noviciado São Benedito, em Montes Claros, MG. Esta é uma casa de formação para a vida religiosa franciscana. Trabalho, junto com dois outros frades franciscanos, no acompanhamento e formação dos noviços. Temos um regime contemplativo de vida, com celebrações litúrgicas, leituras espirituais, convivência fraterna, trabalho manual, estudos, atendimentos espirituais e celebrações em comunidades rurais e urbanas.
2. Quando você foi morar lá e quando voltou?
Quando fui lá, na África, em Moçambique? Estive lá na última década do século passado. Saí do Brasil no início de outubro de 1989, passando por Portugal para receber o visto de entrada e estadia em Moçambique. Cheguei no Aeroporto de Maputo, a capital do País, no dia 20 de outubro de 1989 e parti de lá, de volta ao Brasil, definitivamente, no dia 03 de dezembro de 1999.
3. Enquanto morou lá, você teve a oportunidade de testemunhar a situação da fome? Pode nos contar sobre?
Sim, o problema da alimentação é uma grave situação social e humana no mundo, a falta para uns e o desperdício para outros. Há um livro de um estudioso brasileiro, Josué de Castro, que se chama “A Geografia da Fome”. Na África, sobretudo em alguns países e ambientes a fome é dramática. Sim, tive que partilhar o que comemos com várias pessoas.
4. A questão da fome na África parece estar relacionada a outros problemas sociais e econômicos? Quais são essas interconexões que você percebeu?
Verdade, a questão da fome está relacionada com vários outros problemas: com as administrações públicas, concentração de riquezas e rendas nas mãos de minorias, desigualdades sociais, ausência de projetos sociais e econômicos para atender às necessidades básicas das pessoas: alimentação, saúde, moradia, trabalho, educação, espiritualidade, afinal, condições de vida humana com dignidade para todas as pessoas, todos os cidadãos. Agora, o problema da fome na África, está sobretudo, conectado com as corrupções de governantes, o acúmulo das riquezas com desperdícios nas mãos de poucos, e as guerras entre grupos ideológicos, religiosos e étnicos.
5. Você participou de algum projeto social ou contribuiu de alguma maneira com o combate à fome na África?
Sim, no nível de indivíduos com fome, procurei atender, partilhando o possível. Algumas coisas procurei não negar aos indivíduos: pão, remédio e visita solidária.
Ao nível de comunidades, Moçambique, no meu tempo lá, era um país em guerra, um país agrícola, e uma sociedade de pequenos comércios de canto de esquina. Com poucos donativos que eu levava daqui, e com a autorização dos meus superiores de lá, eu emprestava pouco dinheiro, a fundo perdido, para necessidades urgentes e pequenos negócios... Muitos conseguiam devolver o empréstimo, possibilitando-me a ajudar outros. E eu lhe s dizia que isto não era meu, que era de cristãos e comunidades pobres do Brasil que queriam ser solidários com nossos irmãos de África.
A nível institucional, colaborávamos com instituições beneficentes e de desenvolvimento social. Por exemplo, A Cáritas, uma organização da Igreja Católica, de ajuda internacional.
Procurávamos apoiar e convocar novas pessoas para um trabalho de solidariedade e ajuda do pobre para o pobre. E chamar a um “Não” às guerras, violências e roubos.
E toda a nossa pregação e catequese, convidando todos, de todas as crenças, culturas, raças, a viver a utopia do Reino de Deus e sua justiça, que Jesus inaugurou, proclamou e pregou; e chamou discípulos a segui-lo. Trabalhávamos sobretudo com as pequenas comunidades católicas, e pequenos grupos.
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Dois episódios que ilustram minha maneira de agir diante de pessoas com fome: com uma prostituta e com uma mãe de família:
1. Com uma prostituta – Num semáforo de Maputo, uma jovem prostituta se aproxima oferecendo seus serviços. Digo-lhe que não, “Obrigado!”. Ela insiste, “Por favor, estou com fome!”. Digo-lhe que pode entrar. Ela corre, abre a porta do passageiro e entra. Tenta me tocar, contendo a minha parte, digo-lhe “Por favor, hoje não”. Levo-a a um restaurante. Digo-lhe que me espere no carro. Entro e peço um frango assado e arroz para levar. Entrego-lhe e deixo-a onde ela quis. E fui embora. Nada sei dela, nome, família, antepassados e descendentes. Deus sabe!
2. Uma mãe de família – Éramos 12 pessoas em casa. Eu e 11 jovens freis em formação e estudantes de Teologia, em Maputo. A cozinheira pede a conta e leva uma jovem conhecida dela para substitui-la. Ela pedia o trabalho, “Por favor!”. Eu a achei muito jovem e bonita, para ficar entre os nossos jovens freis e para grandes trabalhos e serviços da casa. Eu perguntei, “Você consegue?”. Disse que sim. Contratei-a por experiência. Depois fiquei sabendo que tinha 3 filhos em idade escolar e que não estavam na escola. Nem ela tinha registro civil. O marido estava trabalhando na África do Sul. Disse aos Freis que “Não podíamos resolver o problema nacional do analfabetismo, mas iríamos dar escola para essas crianças”. Levei-a a um Cartório, fui testemunha dela, tirou carteira de identidade e registrou os 3 filhos. Pagamos as taxas escolares e compramos livros e cadernos para as crianças. Era analfabeta, mas muito inteligente, hábil e eficiente dentro da sua cultura. Tentei alfabetizá-la com o Método Paulo Freire. Quando ia fazer um ano de trabalho, ela comentou o fato. Eu perguntei-lhe se havia alguma razão para festejar. Ela disse: “Sim. Tenho quatro razões. Primeiro, em casa temos comida! Segundo, meus filhos estão na escola! Terceiro, eu sou pessoa! Quarto, minha casa é casa!”
No ano passado, em 2022, um Frade Visitador Geral, em Moçambique, ligou para mim de Maputo dando-me os cumprimentos de Dona Rute, a cozinheira da casa.
Então, é a prática daquela filosofia de vida: “Pensar globalmente! Mas agir localmente!”. Eu não posso mudar e salvar o mundo. Mas posso fazer um gesto significativo e eficaz, no local e no momento em que estou.
6. Como as populações africanas tradicionais lidavam com a fome? Eles valorizavam compartilhar com todos a pouca comida que tinham?
As populações tradicionais africanas, já vão desaparecendo. Existe um livro belíssimo chamado “Vanishing Africa” de Mirella Ricciardi, uma reportagem fotográfica sobre a beleza da cultura africana. Para compreender a beleza do caráter, da alma e da cultura africana, há um livro chamado “Uma Fazenda na África” (Out of Africa) de Karen Blixen, do qual foi feito um belo filme “Entre Dois Amores”. É verdade, que os livros e o filme, são a perspectiva e o olhar de europeus colonizadores sobre a África. Mas mostram certa grandeza humana na cultura africana.
No entanto, as populações africanas, tradicionais, feita de pastores, agricultores, pescadores, caçadores, viviam uma cultura em que a vida humana tinha algo de belo, de solidário, de cuidado pela sua religião do culto dos antepassados. A personalidade básica do ser humano africana é tribal. Eles vivem uma espécie de personalidade corporativa. Seguiam normas e costumes mais ligados à terra, à produção agrícola, cultivo de animais; alguns eram nômades; eles se organizavam em etnias, em clãs. Eles respeitavam o grande espírito criador de todos.
Talvez sejam meio romantizadas essas expressões, mas eles tinham um regime de vida mais sóbria, mais solidária, mais grande família socialmente.
Conhece a dita filosofia do Ubuntu? “Eu sou, porque nós somos”
7. Quais as principais mudanças você acha que deveriam ser feitas para melhorar a situação dos necessitados em relação a fome?
Essa é uma pergunta importante e complexa. Vou começar com duas palavras da Bíblia: “No suor do teu rosto comerás o pão...” (Gn 3,19) e “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Quero dizer com isto que o alimento é fruto do trabalho humano (individual e coletivo, uma questão de economia) e que esse fruto do trabalho e esforço humano precisa ser distribuído e compartilhado por todos, segundo as necessidades de cada pessoa, família, comunidade, nação (uma questão de justiça social, solidariedade, organização e política).
8. Quais foram os maiores desafios que você notou em relação à distribuição de alimentos e ajuda humanitária nas áreas afetadas pela fome?
Superar o egoísmo, a avareza e cobiça de uns em se enriquecer, desviando donativos de alimentos e usando-os como mercadoria. Falta de ética e de senso de solidariedade social. Falta de compaixão com o sofrimento de tantas pessoas. Mudança de uma mentalidade belicista e militarista de grupos armados (dos governantes e dos seus opositores). O trabalho humano - científico e tecnológico - é dirigido para produzir armas e instrumentos de destruição em guerras; e não para produzir alimentos e para construir moradias, escolas, hospitais, estradas
9. Na sua opinião, como indivíduo que testemunhou a situação de perto, quais seriam as medidas mais eficazes para combater a fome na África?
Em termos evangélicos, seria a conversão dos corações humanos; uma mudança de mentalidade geral de indivíduos, grupos e sociedades; uma mudança cultural, de consciência social, de comportamentos políticos. E isto é um processo histórico demorado, que exige educação, mudanças de mentalidades, de comportamentos, de atitudes, de cultura, de transformações estruturais. Uma verdadeira e integral conversão. Na linguagem da Igreja, seria mudar de uma cultura do egoísmo, do ódio, da guerra, da violência para uma cultura do altruísmo, do amor, da paz, da ação não violenta. Mudar de uma cultura da morte para uma cultura da vida. E isso leva gerações, do esforço humano e da graça divina agindo nos corações e mentes das pessoas, comunidades e povos.
No entanto, lembremos da parábola do joio e do trigo (os filhos do Reino e os do Maligno, Mt 13,38), que crescem juntos durante a história humana até o fim (Mt 13,24-30.36-42).
10. Durante sua morada, em algum momento esteve em um país onde a seca é predominantemente? Se sim você acha que essa seca afeta muito a produção de alimentos na região?
Outro problema global a ser enfrentado, as secas, as mudanças climáticas. Não estive em regiões com o flagelo da seca. Mas a produção de alimento não é local. Com uma boa organização política, pode-se atender os necessitados pela carência local de alimentos com programas sociais.
11. Sobre as doenças causadas pela fome, o que você acha que deveria ser feito para evitá-las?
A resposta a esta questão, está contida nas respostas aos números 7 e 8: será uma adequada política para a alimentação e para a saúde; uma justa distribuição dos alimentos aos necessitados e um cuidado específico da saúde dos subnutridos.
12. Após essa experiência, como você acha que essa vivência impactou sua visão sobre a fome e as questões humanitárias na África? Você considera que isso influenciará suas ações e pensamentos futuros?
Essa pergunta me lembrou que, estando em Moçambique, a Cáritas, uma ONG católica para o desenvolvimento humano e para atender aos necessitados de alimentação, me pediu para escrever uma apostila sobre “As Fomes do Ser Humano”. É bom lembrar a antropologia bíblica, que afirma que o ser humano, é construído de “Espirito, Alma e Corpo” (1Ts 5,23) – “Coração e Mente” (Mt 22,37-38; Dt 6,5). Coloquei que o ser humano tem fome de alimento e de segurança alimentar; fome emocional e de afetos, de amar e de ser amado; fome de dignidade e de respeito; fome de segurança e bem-estar; fome de conhecimentos e de sabedoria; fome de beleza e arte... etc.
É bom lembrar as 5 Necessidades Básicas do Ser Humano elaboradas pelo psicólogo humanista Abraham Maslow: “Fisiológicas (de ar, água, comida, exercício, repouso e saúde), de Segurança (abrigo, estabilidade, segurança), Sociais (se sentir querido, pertencer a um grupo, se sentir incluído), de Estima (poder, reconhecimento, prestígio e autoestima), de Autorrealização (desenvolvimento, criatividade, autonomia, realização, espiritualidade)”.
Então os líderes e dirigentes das famílias, comunidades, organizações e sociedades humanas, se quiserem ser competentes, eficientes e sábios devem estar atentos em dar condições a todos de terem essas necessidades humanas satisfeitas.
Os africanos são pessoas que gostam de dançar para expressar seus sentimentos e emoções; gostam de viver e de conviver, do aconchego familiar; são muito sensíveis à beleza, às artes.
Minha estadia na África me ajudou a ser mais humilde, mais humano, mais sensível; a gostar mais de viver e de conviver.
Respostas de Frei Basílio de Resende ofm
03 de agosto de 2023
Noviciado São Benedito, Montes Claros
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