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JESUS E A SAMARITANA - Uma leitura e interpretação de Frei Basílio


O ENCONTRO ENTRE JESUS E A SAMARITANA

1.(Uma leitura e interpretação de Frei Basílio)

João 4,1-43


– Um encontro e diálogo de duas pessoas, de um homem e uma mulher, de duas morais sexuais, de duas culturas, de duas tradições religiosas -


Era meio dia. Jesus, sozinho, assentado à beira de um poço. Vem uma mulher samaritana buscar água.


Vê aquele homem, sozinho, assentado à beira do poço. Ela recebe uma espécie de choque elétrico; seu coração dá um salto, suas pernas bambeiam, ela treme todo o corpo, sente uma atração louca por ele.


Pensa: “com este sim, vale a pena!”. E caminha em sua direção, toda ela só desejo e insinuação – os olhares, os trejeitos, o modo de jogar as cadeiras e os seios, toda ela era desejo e oferta, e escuta:


- “Dá-me de beber!”


Ela recebe um banho de água fria. Fica indignada, se sente rejeitada. Nunca lhe aconteceu isto. Ela está acostumada é com os olhares cobiçosos dos homens, todos a desejam e a devoram com os olhos.


Percebe no pedido, “dá-me de beber”, o sotaque de um judeu. Ela oferecia, era outra coisa. Oferecia e desejava outra coisa. Então, entende, o desprezo. Um judeu não vai se sujar com uma samaritana. Acendem-se nela o ódio antigo e visceral entre judeus e samaritanos, e mais ainda, o da mulher fêmea desprezada.


Então responde, com rancor e ódio:


- “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?”


Diante da reação hostil, ele continua próximo, compreensivo e acolhedor. Ele responde, calmo, sereno, senhor de si, sem reagir ao ódio:


- “Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: “Dá-me de beber”, tu lhe pedirias, e ele te daria a água viva.”


Ela pensa, com raiva, ‘é um judeu mesmo’. Só ele tem coisas boas para oferecer. Só ele se julga doador das coisas de Deus.


Ela responde com firmeza e manifesta a superioridade de sua experiência religiosa a partir da posse em herança deste poço:


- “Senhor, não tens sequer com o que tirar água, e o poço é fundo; de onde tens essa água viva? Serás maior que nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual bebeu ele mesmo, como também seus filhos e seus animais?”


Ela está segura e orgulhosa de ter como Pai, o grande Patriarca Jacó. Ela tem uma grande tradição religiosa. E este poço é uma espécie de comunhão, de união, de sacramento, do seu Pai Jacó, que lhes deu este poço, do qual bebeu ele mesmo!


Ela ouve uma resposta estranha.


Jesus, não responde ao ódio, nem ao orgulho espiritual. Continua próximo, amigo, em atitude de diálogo. Responde com serenidade, firme, mas sem ofender, nem se defender:


- “Todo o que beber desta água, tornará a ter sede. Aquele, porém, que beber da água que eu darei, nunca mais terá sede, mas a água que eu darei se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna.”


A mulher estava numa confusão intrincada de sentimentos e desejos. Tinha ódio por este homem, mas estava cada vez mais atraída por ele, seduzida. Tentava ofendê-lo e agredi-lo, para afastá-lo de si, e mostrar-lhe sua superioridade religiosa, vencê-lo e humilhá-lo, mas ela é que se sentia vencida e dominada pelos atrativos daquele estranho homem.


O desejo da mulher a venceu.


Então pensou que ele talvez era tímido, não queria logo, ao chegar ela, entrar numa boa, a aceitar a relação que ela pedia e oferecia.


Então, arriscou, toda sedutora e desejante:


- “Senhor, dá-me dessa sua água, para que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir aqui tirá-la!”


Isto quer dizer: (“Dá para mim desta sua água! Me dá você, eu quero!”)


Jesus lhe diz:


- “Vai chamar teu marido e volta aqui.”


A mulher responde:


- “Eu não tenho marido!


Isto quer dizer: (“Não tenho compromisso com ninguém; estou afim de você e é agora!”) Ela estava toda afogueada, numa grande ansiedade e expectativa.


Ouviu a resposta de Jesus:


- “Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu marido. Nisto falaste a verdade.”


Ele falou isto sem nenhum tom de censura, nada moralizante, ou intentando passar-lhe algum sentimento de vergonha ou culpa. Era a verdade clara, serena, sem condenação ou juízo moral.


Ela sentia-se bem, em saber-se conhecida, compreendida, acolhida no seu mistério de uma pessoa sedenta de ser amada, e de amar. Só isto, ela era.


Então, maravilhada, ela lhe disse:


- “ Senhor, vejo que és um profeta! Os nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis que em Jerusalém está o lugar onde se deve adorar”.


Ela mostra, agora, a sua verdadeira sede: (“Onde se deve adorar a Deus verdadeiramente? Vocês judeus dizem que é em Jerusalém, nós, os samaritanos, dizemos que é aqui neste monte.”)


Antes era o conflito de religiões e crenças, o ódio e o desprezo recíproco entre religiosos. Agora é o diálogo inter-religioso e intercultural.


Jesus lhe respondeu:


- “Mulher, crê em mim: vem a hora em que nem nesta montanha, nem em Jerusalém, adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus; mas vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espirito e verdade; pois são estes os adoradores que o Pai procura. Deus é Espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espirito e verdade.”


A mulher lhe disse, cheia de nostalgia e intenso desejo espiritual, ela expressava sua verdadeira sede, seu verdadeiro desejo que Jesus conhecia:


- “Eu sei que virá o Messias, o que significa Cristo; quando ele vier, nos anunciará tudo.”


Jesus lhe disse:


- “Sou eu, que falo contigo.”


Jesus se revela à mulher quem ele é, sua verdadeira identidade, que ele escondia de

outros, que não gostava que dissessem dele. Agora ele se revela, ele se dá a conhecer.


Agora há um verdadeiro encontro de duas pessoas, uma verdadeira comunhão de duas almas e dois corações.


Nisso, chegaram os seus discípulos e ficaram admirados de que Jesus estivesse falando com uma mulher, mas ninguém perguntou: “Que procuras?”, ou: “Por que falas com ela?


A mulher deixou seu cântaro e foi à cidade dizendo às pessoas:


- “Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Cristo?”


Qualquer pessoa daquela cidade – homem ou mulher – despeitada pela conduta da mulher poderia lhe responder com crueldade: “Não precisa ser um profeta, ou o Cristo, para dizer tudo o que você faz: ‘ cada dia está com outro, troca de homem como se troca de roupa’”.


Mas ela falou com tanta convicção e sinceridade que procuraram ver e conhecer


Quem é esse homem?”


Saíram da cidade e foram ao encontro dele.


Enquanto isso, os discípulos insistiam com Jesus? “Rabi, come!”. Ele, porém, lhes disse: “Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis”. Os discípulos disseram entre si: “Será que alguém lhe trouxe algo para comer?” Jesus lhes disse: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo sua obra. Não dizeis vós: ‘Ainda quatro meses, e aí vem a colheita!’? Pois eu vos digo: levantai os olhos e vede os campos, como estão brancos, prontos para a colheita! Aquele que colhe já recebe o salário, e ajunta fruto para a vida eterna. Assim, o que semeia alegra-se junto com o que colher. Nisso está cero o provérbio: ‘Um é o que semeia, outro o que colhe’. Eu vos enviei a colher o que não é fruto de vossa fadiga; outros se afadigaram, e vos entrastes no fruto da sua fadiga”.


Muitos samaritanos daquela cidade creram em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava: “Ele me disse tudo o que eu fiz”.


Os samaritanos foram a ele e pediram que permanecesse com eles; e ele permaneceu lá dois dias. E ainda muitos outros creram por causa da palavra dele, e diziam à mulher: “Já não é por causa da tua fala que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo”.


Transcorridos dois dias, Jesus foi para a Galileia.


(Os diálogos e o final são citações da Bíblia Sagrada, Tradução oficial da CNBB – Edições CNBB, 1ª Edição 2018)


frei basílio de resende ofm, montes claros, mg.

Blog: freibasilioderesende.org

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2. UMA INTERPRETAÇÃO TEOLÓGICA E MÍSTICA DE SANTO AGOSTINHO:


“Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo.


Veio uma mulher da Samaria para tirar água


Veio uma mulher. Esta mulher é figura da Igreja, ainda não justificada, mas já a caminho da justificação. É disso que iremos tratar.

A mulher veio sem saber o que ali a esperava; encontrou Jesus, e Jesus dirigiu-lhe a palavra. Vejamos o fato e a razão por que veio uma mulher da Samaria para tirar água (Jo 4,7). Os samaritanos não pertenciam ao povo judeu; não eram do povo escolhido. Faz parte do simbolismo da narração que esta mulher, figura da Igreja, tenha vindo de um povo estrangeiro; porque a Igreja viria dos pagãos, dos que não pertenciam à raça judaica.

Ouçamos, portanto, a nós mesmos nas palavras desta mulher, reconheçamo-nos nela e nela demos graças a Deus por nós. Ela era uma figura, não a realidade; começou por ser figura, e tornou-se realidade. Pois acreditou naquele que queria torná-la uma figura de nós mesmos. Veio para tirar água. Viera simplesmente para tirar água, como costumam fazer os homens e as mulheres.

Jesus lhe disse: “dá-me de beber”. Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. A mulher samaritana disse a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato os judeus não se dão com os samaritanos (Jo 4,7-9.)

Estais vendo que são estrangeiros. Os judeus de modo algum se serviam dos cântaros dos samaritanos. Como a mulher trazia consigo um cântaro para tirar água, admirou-se que um judeu lhe pedisse de beber, pois os judeus não costumavam fazer isso. Mas aquele que pedia de beber tinha sede da fé daquela mulher.

Escuta agora quem pede de beber. Respondeu-lhe Jesus?Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva (Jo 4,10).

Pede de beber e promete dar de beber. Apresenta-se como necessitado que espera receber, mas possui em abundância para saciar os outros. Se tu conhecesses o dom de Deus, diz ele. O dom de Deus é o Espírito Santo. Jesus fala ainda veladamente à mulher, mas pouco a pouco entra em seu coração, e vai lhe ensinando. Que haverá de mais suave e bondoso que esta exortação? Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.

Que água lhe daria ele, senão aquela da qual está escrito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10). Pois como podem ter sede os que vêm saciar-se na abundância de vossa morada? (Sl 35,9).

O Senhor prometia à mulher em alimento forte, prometia saciá-la com o Espírito Santo. Mas ela ainda não compreendia. E, na sua incompreensão, que respondeu? Disse-lhe então a mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la” (Jo 4,15). A necessidade a obrigava a trabalhar, mas sua fraqueza recusava o trabalho. Se ao menos ela tivesse ouvido aquelas palavras: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos e eu vos darei descanso! (Mt 11,18). Jesus dizia-lhe tudo aquilo para que não se cansasse mais; ela, porém, ainda não compreendia.”


(Segunda Leitura do Ofício das Leituras do 3º Domingo da Quaresma)

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