Um texto iniciado: DIA 06 DE ABRIL DE 2020 – SEGUNDA FEIRA DA SEMANA SANTA
- Um movimento de reflexão e sensibilização, pessoal e de outros em geral, feito por duas cabeças, quatro mãos e uma mesma consciência ética e humanista de Frei Basílio de Resende ofm e Euler Cruz -
Uma lição, possível, desta pandemia para os humanos
– governantes/governados, sábios/ignorantes, ricos/pobres, sensuais/ascetas, materialistas/espiritualistas, crentes/descrentes, imanentes/transcendentes, canalhas/santos –
1. Todos nós somos frágeis e mortais. Biologicamente, nascemos, crescemos, nos reproduzimos, envelhecemos e estamos condenados à morte natural pela falência dos órgãos, ditada pela natureza frágil e limitada do nosso aparelho biológico. Nossa constituição interna já nos destina a um período de vida que normalmente não ultrapassa um século, quando muito. Mas há, também, ameaças externas. Todos nós estamos sob o perigo de um inesperado e indesejado inimigo que, vindo de fora, pode nos liquidar. Um invisível micro-organismo pode nos infectar, ameaçar e se apoderar de nossas pretensas fortalezas orgânicas. Um acidente pode nos destruir em um segundo. A ingestão de venenos – ainda que na forma de agrotóxicos ou de produtos com que os alimentos têm sido artificialmente preparados – pode nos causar uma doença incurável.
2. Podemos nos perguntar: e agora, para que serve tudo aquilo a que nos apegamos, tudo com que nos iludimos? Para que serve esse nosso orgulho prepotente, de raça humana, em aplicar os nossos potenciais em conhecimentos científicos e habilidades tecnológicas para inventar, produzir e manipular os mais sofisticados instrumentos de morte - armamentos mecânicos, nucleares, químicos e biológicos – e com eles intimidar nossos inimigos, dobrá-los pela força, humilhá-los e fazermos grandes negócios? Para que servem a ciência e tecnologia que se destinam a produzir milhares, milhões de produtos supérfluos, destinados a alimentar o consumismo, produzidos ao custo de uma exploração predatória dos recursos naturais limitados do planeta? Somos capazes de produzir cadáveres, reduzir a pó e cinza a quem quisermos, os que elegemos como nossos adversários. Somos capazes de gerar riquezas imensas (e absurdas) para uns poucos, atirando a grande parte da humanidade na fome, na miséria. E, assim, nos sentimos vaidosos, inteligentes, avançados, modernos, poderosos e ricos. Somos os melhores e mais capazes. Nunca, em sua curta e triste história, a “humanidade” esteve tão “avançada”. Não nos damos conta de que estamos esgotando e exaurindo as riquezas naturais do planeta, poluindo as fontes naturais da vida saudável e condenando à morte as gerações futuras. Não percebemos que nosso estilo de vida é insustentável. Nossos deuses são o lucro, o poder e o prazer, objetivos válidos por si mesmos e que devem ser buscados a qualquer custo.
3. Temos que aprender agora – e quanto mais rápido melhor – a necessidade de mudar nossas prioridades, nossa visão de mundo, nosso estilo pessoal de vida, nossa organização econômica e nossos sistemas políticos. Nosso objetivo agora já não é o de produzir futilidades, destruindo o planeta e a nossa saúde. Não é mais produzir bombas atômicas, foguetes, mísseis inteligentes, armas químicas e biológicas - artefatos de morte para satisfazer nossa vontade de poder. Já é hora de não nos preocuparmos com luxos e ostentações, com a riqueza e a marca das vestes, com a opulência das moradias, com a modernidade dos carros, com as propriedades, com aviões e iates particulares – fetiches para alimentar nossa vaidade e nosso narcisismo. Nem mais privilegiar o que nos traz status, prestígio, poder, riquezas – futilidades para preencher nosso vazio pessoal e existencial. A primeira preocupação, agora, é viver e sobreviver com saúde; cuidar em não nos infectarmos e não sermos portadores do poder de contaminar outros; saber que o cuidador precisa, antes, cuidar de si mesmo: quem cuida de um infectado, tem que cuidar-se em não ser infectado também, o que o tornaria meio e ambiente da infecção para outros. No momento, nossa preocupação deve ser a de nos isolarmos socialmente, cuidar da higienização de mãos, dos objetos e ambientes físicos e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar e amparar os que já estão doentes e os que cuidam deles, os que perderam suas fontes de renda e os que normalmente não as têm. O momento agora é de começarmos a construir a união, a cooperação, a compreensão, a nova sociedade que deve emergir depois dessa crise. Precisamos aproveitar a oportunidade que a crise está nos dando para repensar tudo e construirmos juntos uma nova civilização e um novo mundo.
4. Para isso, estamos aprendendo que precisamos, com urgência, rever e reavaliar nossa hierarquia de valores. Estamos aprendendo que a vida é um bem precioso, mas frágil, passageiro e efêmero, e que é de valor imprescindível e essencial, mais importante que essas futilidades - o dinheiro, o lucro, o poder, a força. Aprendemos que todas as energias e potencialidades, que nossos recursos humanos e materiais, nossas economias e riquezas – naturais ou adquiridas – até agora investidas em produtos supérfluos e em armamentos, não valem nada se todos nós formos as primeiras vítimas dessas nossas armas geniais (repito, as mecânicas, as nucleares, as químicas e as biológicas, e, as novas tecnologias da comunicação); vítimas de um meio ambiente dilapidado, cujo equilíbrio foi rompido. Mesmo sem a eclosão de uma guerra, o que temos produzido pode, por um descuido humano, uma falha técnica ou um acidente natural, sair de nosso controle e nos atingir a todos, nos contaminar com irradiações ou infectar com vírus e bactérias nossos organismos, nosso ambiente vital e o nosso Planeta.
5. Então, finalmente, estamos vendo agora que todo o nosso empenho e esforço de inteligência, toda pesquisa e desenvolvimento, toda nossa ciência e tecnologia, nossas fábricas, indústrias, laboratórios, nossos insumos e recursos materiais e financeiros precisam, com urgência, mudar de objetivos e serem investidos em instrumentos que nos permitam viver, respirar, nos higienizar, evitar que uns contaminem os outros; em instrumentos e técnicas para combater química e biologicamente essas criaturas que se rebelaram e escaparam de nosso controle.
6. Precisamos aprender, também com urgência, nossa solidariedade planetária. Deixar de lado nossos egos, nossas invejas, nossas vaidades mesquinhas, nossos individualismos e nacionalismos ridículos e nos unirmos em uma estratégia harmônica, articulada e focada em sobreviver com saúde, bem estar e dignidade; cuidar, organizar, unificar políticas sociais e públicas para defender a vida, a alimentação, a saúde, o saneamento, a higiene, o ambiente, a educação, a ciência, as artes, a cultura, a criatividade, a beleza, a dignidade humana; enfim, aprender e praticar as ações que nos dignificam e honram como seres humanos individuais e como nações – as ações solidárias, sociais e públicas pelo bem de todos, sem exclusões.
7. Precisamos deixar de lado, com urgência, nossas ideologias ilógicas e partidarismos vulgares, tacanhos e ignorantes. Nossos inimigos não vêm de outros planetas, como nos filmes de ficção científica, nem de outras visões de mundo e ideologias diversas das nossas. Eles saem de dentro de nós mesmos (de nosso pensamento acanhado e parcial, de nosso orgulho, de nossa ignorância; saem de nossos laboratórios, de nossos centros de pesquisa, de nossos fábricas, das empresas que visam exclusivamente o lucro, as atividades que destroem o meio ambiente em nome do dinheiro; de nossas economias destinadas a enriquecer uns poucos e das indústrias da guerra). Mais uma vez, precisamos mudar de prioridades e de objetivos: transformar nossos centros de pesquisa e desenvolvimento de ciência e tecnologia, nossos laboratórios, nossas indústrias e toda a economia planetária das nações, até agora dirigidos para a produção de futilidades, de produtos que alimentam o mercado dos ricos em detrimento da miséria da maioria, e de armamentos cujo objetivo é impor a vontade de uns sobre o direito dos outros. Precisamos mudar radicalmente para um empenho e investimentos em instrumentos para a vida, a saúde, o alimento, a cultura, a educação, a moradia, o saneamento básico de nossos ambientes urbanos e rurais, a criação de postos de trabalhos, a construção de habitações, de escolas, de hospitais, de estradas, centros de energia, de novas formas ecológicas de produção, transformação, transporte e consumo. Afinal, redescobrir a alegria de viver e de conviver, de criar e compartilhar, de amar, trabalhar, pensar, meditar, rezar, ser útil, ser importante, ser imprescindível para o outro, para a vida, para o Planeta.
8. Em conclusão: Uma nação e sua segurança não se constroem com armas. “Uma nação se constrói com livros e homens” (M. Lobato). Não precisamos de novos partidos: ao contrário talvez, seja necessário reduzir o número deles. Precisamos é de administradores honestos, inteligentes, éticos, com sensibilidade social, competência técnica, humildade, capacidade de compreensão, de diálogo e de aglutinar as pessoas, os grupos, as comunidades, as etnias, as organizações, num projeto de povo e de nação justa, fraterna e solidária, onde cada um e cada uma, todos, se sintam membros, participantes e colaboradores. Precisamos, repito, é de verdadeiros e autênticos estadistas, de homens e mulheres, inteligentes, sábios e honrados, competentes e trabalhadores, todos, humanistas!
E, se alguém quiser falar em Deus, isto é o que O honra, glorifica e louva!!! Vejam: “Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5,16).
Montes Claros/Belo Horizonte, 21 de abril de 2020
(Frei Basílio de Resende ofm. Montes Claros-MG freibasilioofm@hotmail.com
Euler de Carvalho Cruz. Belo Horizonte - MG <eulerccruz@gmail.com>)
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