A INFLUÊNCIA DA IGREJA NA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
- Subsídio para a Formação de Cadetes da Guarda Presidencial -
Frei Basílio de Resende ofm 08/02/1974
INTRODUÇÃO:
A) O expansionismo português: A Espada, o Ouro, a Cruz
Podemos caracterizar o expansionismo português dos séculos XV e XVI como um movimento que, ao lado dos elementos de imperialismo econômico e mercantilista, continha, também, elementos de um imperialismo da Fé Católica: ampliar o Reino de Cristo, visto na ótica da Fé Católica.
A Espada, o Interesse Econômico e a Fé Católica foram três fatores forjadores do expansionismo português do século XVI que veio ampliar os Horizontes do Mundo Moderno: o campo de Ação, de Dominação, de Intercâmbio do Homem Moderno.
Este movimento expansionista, o interesse de encontrar caminhos novos e diferentes para as especiarias orientais, para encontrar novas terras, para ampliar o Mapa do Mundo conhecido, é que fez a “brava gente trafegar por Mares nunca dantes navegados.”
A Descoberta do Brasil surgiu como um capítulo desta história do Imperialismo Português:
Militarismo
Mercantilismo
Expansionismo do Império da Fé Católica
Um impulso forte para criar um Império Forte, Poderoso, Invencível: a Espada; um Império Rico, Próspero, Abundante: o Ouro; um Império Católico, Apostólico, Romano: a Cruz.
A Espada, o Ouro, a Cruz, três imagens símbolos do movimento político, econômico, social, cultural, religioso sob cujo signo a Brasil nasceu.
B) A descoberta do Brasil: Fato simbólico
A própria descoberta do Brasil podemos vê-la como um acontecimento rico em significados e simbolismos de que a Fé, e os representantes da Fé cristã-católica, iriam marcar, - de uma maneira definitiva e com um caráter indelével, - o sentimento, a consciência, a história deste país: as origens de seu povo, sua história, evolução e seu futuro.
O primeiro nome: Terra de Santa Cruz.
O primeiro contato com o chão, a terra: a Cruz fincada na Terra, nas Raízes, no Solo: o realismo da Fé: pés no chão.
O primeiro congraçamento fraterno de diferentes povos, culturas, raças sob o Signo dos gestos e das Palavras do Senhor Ressuscitado, Luz dos Povos, Senhor da História e dos Mundos: os índios e portugueses, os nativos da Terra e o grupos humanos de Fora que se transportam para cá, o Nativo e o Estrangeiro, o autóctone e o imigrante se unem com irmãos, fazem o gesto fraterno de juntos , como irmãos, acolherem o Reino: o trabalho, a vida, a Terra dada, o cultivo da Terra, a construção de um Povo, de uma Nacionalidade, de um Futuro:
“Pai nosso,
que estais nos céus,
venha o vosso Reino”
A Missa quer dizer tudo isso na riqueza de seus símbolos, na realidade de sua catequese, de sua revelação.
A dimensão do sonho, dos ideais para as alturas, o novo ‘Homo Brasiliensis’ que está simbolizado nas origens, - como uma união fraternal de raças, culturas, povos, - no acontecimento da Primeira Missa, ele a tem no céu amplo, azul, imenso, onde ele vê: “a imagem do Cruzeiro resplandece!”
1. A AÇÃO DA IGREJA ATRAVÉS DA HISTÓRIA DO BRASIL
Desde os primórdios do que se veio chamar a Civilização e Cultura dos Trópicos, - o Brasil, - a Fé Católica marcou e influenciou toda a vida e cultura do Povo Brasileiro.
Basta dizer que os Portugueses, eram católicos. Sua ação e atuação, podemos dizer que era a ação e atuação da Igreja, pois sabemos que “a Igreja não a Hierarquia só; ela é a Hierarquia e Leigos”, como o Povo Brasileiro não é apenas o Governo, e nem o Exército Brasileiro é constituído apenas de Comandantes e Generais.
Neste sentido, mesclado com o próprio SER e FAZER de Homens e Mulheres que fizeram a História do Brasil – da sua descoberta até o presente instante em que estamos aqui – constituímos um só corpo, uma só realidade com aqueles e aquelas que antes de nós viveram, neste País, os seus sonhos, suas ambições, suas angústias, seus ideais, seus trabalhos, dores e amores, com o destino de cada indivíduo e o conjunto deles que viveram antes de nós: a Fé Católica, a Igreja exerceu sua Ação, sua Força de irradiação e irrupção na Formação do sentimento e da consciência da Alma Brasileira.
Não quero, e nem é o meu propósito, neste instante, fazer um trabalho de erudição e informação. Vocês sabem e conhecem os manuais de História do Brasil ou de Educação Moral e Cívica.
Sabem a influência, a presença e a ação de Homens e Mulheres, católicos em todo o esforço nacional de criar um Povo, uma Nação, um País, uma Civilização, uma Cultura neste imenso Território, neste País que tem as dimensões de um Continente. Isto, na luta pela organização e estruturação de toda a vida nacional em todos os ciclos e períodos de sua História.
Particularmente sabemos dos trabalhos e esforços de religiosos e religiosas de padres, bispos e de leigos, em todos os períodos de nossa História:
Os pensadores, as cátedras e os púlpitos
Os escritores
Os políticos
Os militares
Os estadistas
Os trabalhadores
Tantos homens e mulheres do povo
todos eles e elas, cada um e cada uma em seu lugar e a seu jeito são o fermento na massa, o sal e a luz, são a Igreja de Cristo em atuação na história e cultura de um povo.
Desde os Jesuítas na Catequese dos Índios e na pacificação dos mesmos, na defesa dos Direitos Humanos na pessoa dos Índios: a luta deles em fazer com que os nativos fossem olhados, considerados e respeitados como seres humanos, como irmãos em humanidade contra os interesses econômicos de comerciantes gananciosos. Fundaram de colégios, e vilas e cidades. Pensem, desde o início até hoje, o que representa a ação deles na Formação de uma liderança brasileira em colégios, faculdades, universidades e seus grandes e famosos pregadores e intelectuais, e escritores. Não precisamos citar nomes aqui.
Pensem nos Franciscanos em sua ação mais direta no meio das massas, no meio do povo, mas também os grandes cientistas, pregadores, educadores, que eles desde no ato de Batismo do Brasil, a primeira Missa, até hoje têm vivido, acompanhado, crescido com este País, sua História, sua Terra, sua Gente.
Pensem nos Capuchinhos, nos Salesianos, nos Dominicanos, nos Lazaristas.
Pensem na ação e atuação do clero secular, em todos os movimentos que marcaram e deram verdadeiros e importantes passos no Caminhar do Povo Brasileiro: os movimentos de Independência, a Abolição da Escravatura, o aprimoramento dos sistemas políticos, a discussão e debate de ideias e doutrinas políticos e sociais, úteis para uma organização justa, fraterna e verdadeiramente humana do Estado e suas Instituições.
Pensem, por exemplo, na influência até dos grandes Seminários e Colégios religiosos na formação de nossas lideranças. Para citar um só, que se tornou legendário: o Caraça.
Sabemos da influência da Mulher, da Mãe, da Professora na formação da personalidade humana, na transmissão dos valores humanos e cristãos. Pensem no número e na qualidade de Colégios de Religiosas e na influência das Irmãs na formação de nossa juventude feminina.
Pensem, também, na influência que o púlpito pode exercer na formação do sentimento, na consciência e da ação do Povo Brasileiro.
A História do Brasil, como atestam os nossos manuais está ligada com a História da Fé Católica, com a de seu povo e seus líderes religiosos: a História do nosso País é um pouco, também, a História da Salvação, a História da Igreja, a Família Religiosa que forma o Povo Brasileiro.
2. UMA TOMADA DE POSIÇÃO CRÍTICA PERANTE ESSA INFLUÊNCIA
Sabemos que a Fé, também, tem sua história, seu processo de maturação e crescimento. O modo de ser da Fé, o seu modo de sentir, de pensar, de agir, de interpretar o Horizonte Humano, o Mundo humano, seu destino e a maneira de agir e se conduzir nele, pode mudar, ter acentos diferentes, ter diferenciações de acordo com a cultura, a maturação psicológica, a visão de mundo, a ideologia do crente, seja ele pregador ou ouvinte.
Sabemos que o Jansenismo influenciou de uma maneira indubitável a catolicismo Brasileiro, a Fé, a conduta humana do católico brasileiro.
A Religião, também, pode ser sinônimo do mundo do Templo: seus ritos, símbolos, cultos. Pode tornar-se fanática e separada da Vida.
A Igreja pode ser, às vezes, sinônimo de negação dos autênticos valores do mundo, da Terra, da História. E assim cair num espiritualismo maniqueísta.
Muitas vezes, acontece haver dois mundos paralelos, mesmo hostis e inimigos entre si: de um lado, o Mundo da Religião e suas exigências de puritanismo maniqueísta e do outro, o Mundo de Homens e Mulheres, a sociedade civil, a vida humana, social, política, familiar, econômica, cultural.
Acontece, por vezes, uma separação, uma dicotomia entre Religião e Vida, entre Igreja e Mundo; uma dicotomia insustentável e condenada até pela verdadeira revelação Bíblica e pela autêntica doutrina bíblico-teológica ensinada pela Teologia Católica: o Mundo, o Universo é criatura de Deus, que Ele contempla e vê que “tudo é muito bom (Gn 1). “Deus ama tanto este mundo... que enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3,16-17).
No entanto, toda a mentalidade do Catolicismo brasileiro foi influenciada por esta dicotomia.
E aqui está, em minha opinião, até uma das causas da dificuldade de compreensão de representantes oficiais do atual Regime que se instaurou no Brasil, após 1964. Muitos representantes, e até líderes – católicos -do Regime, não entendem, não compreendem, como católicos brasileiros, atuais e atualizados, na Teologia do Concílio Vaticano II – cardeais, bispos, padres, leigos militantes – professam sua Fé e agem de acordo com ela, segundo a qual, o mundo da economia, da vida social, da política, da cultura são campo de testemunho e de atuação de sua Fé.
3. A AÇÃO DA IGREJA NA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
– O PRESENTE E O FUTURO DA RELIGIÃO CATÓLICA –
Cito aqui alguma literatura católica que, com honestidade intelectual, deve ler, refletir e consultar quem pretender conhecer, compreender e fazer juízo crítico da posição atual da Igreja ou pretender julgar pessoas da Igreja (leigos católicos, sacerdotes e bispos).
Sobretudo, quem quiser usar o nome de católico, deve ler, refletir, assimilar, aprender e ensinar os Documentos do Concílio Vaticano II e seus comentários, muito especialmente, os dois documentos básicos Lumen Gentium (LG) “Sobre a Igreja” e Gaudium et Spes (GS) “Sobre a Igreja no Mundo de Hoje”. Quem quiser informar-se sobre a posição da Igreja em questões de Política, de Vida Social, de Economia, de Cultura deve estudar esse documento GS, e as encíclicas “Mater e Magistra” e “Pacem in Terris” de João XXIII e “Populorum Progessio” de Paulo VI.
Um livro mais leve de um jornalista católico francês: “O Catolicismo: Religião de Amanhã”, Henry Fesquet, e “A Fé Explicada aos Jovens e Adultos”, de Rey-Mermet, Edições Paulinas, em dois volumes, é um texto atualizado e sólido para os mistérios cristãos - a Fé e os Sacramentos- para pessoas adultas..
Este documento “Gaudium et Spes” deve ser o texto básico do católico de hoje, em sua tarefa histórica de cidadão de uma Nação e do Mundo contemporâneo. O seu próprio título é uma tomada de posição e um programa de ação: “Sobre a Igreja no Mundo de Hoje”, que começa assim:
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração”(GS 1).
São essas as primeiras palavras desse documento.
Ele se estende, depois, fazendo uma análise e um diagnóstico introdutório sobre “A Condição do Homem no Mundo de Hoje” (GS 4). Em seguida, numa primeira parte trata sobre:
“A Igreja e a Vocação do Homem (GS 11”, discorrendo em quatro capítulos sobre os seguintes temas: “A dignidade da pessoa humana (GS 12-22). A comunidade humana (GS 23-32). O sentido da atividade humana no mundo de Hoje (GS 33-39). Função da Igreja no Mundo de Hoje (GS 40-45)” .
Em uma segunda parte, o documento aborda “Alguns Problemas mais Urgentes” (GS 47): “A Promoção da Dignidade do Matrimônio e da Família” (GS 48-52). “A Conveniente Promoção da Cultura (GS 53-62). A Vida Econômico-Social (GS 63-72). A Vida da Comunidade Política (GS 73-76). A Construção da Paz e a Promoção da Comunidade dos Povos (GS 77-90).
A Igreja possui, assim como vimos, uma doutrina clara, precisa. Ela possui uma experiência e uma sabedoria de 20 séculos. Ela tem uma visão universal dos problemas humanos; “a Igreja é perita em humanidade” disse Paulo VI. Está espalhada por povos, raças, culturas, ideologias, sistemas políticos diferentes.
Por isso ela tem condições de ser e exercer uma presença e uma atuação crítica, salutar para qualquer regime ou ideologia.
Aqui no Brasil, por exemplo, nós sabemos que a Ordem Revolucionária, instaurada em nosso País, a partir de 1964, é um movimento forte, de autoridade. É um movimento uno, coeso. Todas as ações e decisões partem da Escola Superior de Guerra (Ver Nota *). É um regime de natureza e caráter militar.
Qualquer pessoa, - um indivíduo ou grupo ideológico ou partidário - divergente dos princípios e metas impostos pelo Movimento Revolucionário será colocada fora de ação pelos mecanismos que esse movimento estabeleceu como necessários à manutenção de uma nova ordem nacional: cultural-ideológica, econômico-social, política e judicial.
Sabemos que o AI 5 coloca em mãos do Poder Executivo uma força, um poder e um instrumento capaz de neutralizar qualquer consciência ou ação que forem interpretadas oficialmente como contrárias ao Regime. Toda a Ordem Judiciária lhe está sujeita e submissa. O Presidente, por um decreto, pode aposentar os Juízes que quiser e nomear outros em seu lugar que ‘julguem e votem’ segundo a vontade e o interesse do Executivo. Todo o Poder Legislativo nada pode. Como um todo ou em seus membros, o Presidente tem os instrumentos necessários para cassar mandatos, suspender direitos políticos ou dissolver o Congresso e determinar o seu recesso, e legislar e governar por decretos.
Mesmo o que, nos Estados Unidos da América, se convencionou chamar de o Quarto Poder: a Imprensa, falada, escrita ou televisiva, foi colocada sob o estrito domínio e poder do Movimento Revolucionário. Conhecemos a Lei da Imprensa e a ação dos seus executores.
Numa tal situação nacional, a Igreja tornou-se a única Instituição que matem uma posição de Independência e Autonomia necessárias a um Diálogo verdadeiramente objetivo, corajoso e positivo com o Governo e salutar para o Povo Brasileiro. Falo aqui de Igreja referindo-me à Hierarquia Católica.
Isto pode ser julgado afrontoso ao Regime por alguns elementos do mesmo. Mas na verdade não o é. A independência e autonomia dos Poderes é salutar aos princípios da Justiça, da Moralidade, Honestidade e Respeito aos Verdadeiros Direitos, Deveres e Ideais do Ser Humano na organização de um Estado, um Povo e uma Nação.
É verdade que há, por vezes, um clima de tensão, de incompreensão, de diálogo difícil entre a Igreja e representantes do Regime atual.
Vamos apontar algumas possíveis causas desta crise do entendimento e da compreensão.
1) Primeiro: A Concepção que algumas pessoas possuem sobre a Religião.
Algumas pessoas – católicas - foram formadas naquela visão jansenista a que me referi antes. Julgam que a Religião é o mundo da porta da igreja até o altar e a sacristia. Vivem dentro daquela dicotomia entre Religião e Vida, Igreja e Mundo.
A Igreja deve se ocupar somente dos negócios da Vida Eterna e da Salvação das
Almas. O mundo da Economia, da Política, da Cultura e da Vida Social, nada tem a ver com a Religião e a Moral. É o Mundo aético.
Eles não acompanharam a atualização do Pensamento e da Ação Cristã da Teologia das Realidades Terrestres. Não conhecem a mentalidade da Lumen Gentium e da Gaudium et Spes.
Típicos representantes deste modo de pensar e de condenar a Igreja e os católicos militantes atuais, da Hierarquia ou Leigos, são, por exemplo, Nelson Rodrigues, Gustavo Corção, Maria Tereza Potenza. E eles, ao menos os dois últimos, pretendem ser autênticos representantes do pensamento da Igreja. E muitos católicos representantes ou apoiadores do Regime pensam como esses formadores de opinião
O nosso Regime é Militar. E muitos representantes do Exército e do Regime
manifestam sintomas de pensarem e pretenderem julgar e condenar pessoas que agem e pensam de acordo com a Gaudium et Spes.
2) Segunda Razão: o Militar e o Cristão, o Soldado e o Pastor.
Com esse Regime é Militar, os modos de pensar, de agir da Disciplina do Exército foram trazidos para o mundo da política e da vida social.
O Exército visa a Disciplina e a Ordem. Seu objetivo é o funcionamento como um todo para a eficiência estratégica e tática. Os Chefes e Líderes, os Comandantes, são os melhores sob todos os pontos de vista, devido ao rigoroso processo de seleção, promoção e nomeação. Suas ordens e determinações são pensadas, refletidas e pesadas maduramente. Às suas ordens não se deve aplicar a Inteligência crítica por serem perfeitas nas suas motivações e intenções, nos seus objetivos e fins e no seu caráter de meios a atingirem os objetivos visados. Elas exigem o acato mais perfeito e completo, a obediência e execução.
Perder tempo para debater uma ordem recebida é nocivo ao bem da corporação. É sinal de fraqueza e ineficiência do conjunto. É sintoma de mentes rebeldes. Não obedecer e não executar é ser desertor. Mesmo quando esta ordem é imoral e vai contra a consciência moral do subordinado. É conhecido o caso do Capitão Sérgio Machado do Esquadrão Para-sar.
Esses princípios e métodos militares foram transferidos para o conjunto da vida nacional, definida e caracterizada como uma situação de guerra revolucionária.
A Igreja é também uma instituição marcadamente monárquica. Mas sua atuação pedagógica e disciplinar é despertar e formar a consciência crítica dos indivíduos. Ela apela ao esforço da Inteligência inquisidora, interrogadora. Incentiva a adesão da vontade livre e pessoal. Insiste no concurso de todas as Inteligências e vontades pela persuasão em vista do Bem Comum. Acreditando na sede da verdade e do bem que existem na alma humana, a Igreja crê na conaturalidade entre a Verdade e a Inteligência, entre o Bem e a Vontade, entre o Justo, o Reto, Direito e a Consciência Moral.
Por exemplo: É compreensível, então, toda a confusão e incompreensão que vimos por parte de representantes oficiais da Revolução diante da palavra e da realidade do fenômeno Conscientização.
Esses dois modos de agir, essas duas atitudes que mostram divergências, sem precisarem ser hostis, uma à outra, foram muito bem analisadas pelo Cel. Olavo Costa, uma das mais brilhantes inteligências do nosso Regime atual.
Ele fez algumas considerações entre o Soldado e o Pastor, o Militar e o Padre.
Ele disse que o Soldado, o Militar, visa a ordem e a disciplina. Ele vê em quem diverge o adversário, o inimigo a combater, o subversivo, o potencial desertor.
O Pastor, o Padre vê no que diverge um irmão a acolher, a compreender, a converter ou a respeitar.
O Soldado vê o mal a combater.
O Padre vê o bem a cultivar.
Um clima de diálogo franco, direto, corajoso entre esses dois modos de ser no Brasil atual pode ser positivo.
Por exemplo: o Regime tem como fim: Objetivos Nacionais Permanentes. Entre eles, a batalha do desenvolvimento econômico-industrial, a ordem interna e o comunismo a combater. A Igreja com sua filosofia humanista visa a Ser Humano, individual e coletivo e seus Direitos e Deveres na sociedade; não aceita o ateísmo doutrinal do comunismo, mas dialoga com os comunistas enquanto pessoas.
O próprio Presidente Médici falou uma vez: “ O País vai bem. Mas o povo vai mal”. Se fosse um determinado representante da Igreja que falasse isso seria acusado de estar contra o Regime.
Precisamos saber que a posição da Igreja é, e sempre será, a da promoção e salvação dos seres humanos; de cada ser humano, homem ou mulher, em todas as suas dimensões, integralmente, até atingir a humanidade toda. Independente de ser cristão católico ou não.
A Gaudium et Spes, o documento conciliar “Sobre a Igreja no Mundo de Hoje”, no seu n. 27, insistindo no respeito para com a Pessoa Humana, diz:
“Além disso, tudo o que atenta contra a própria vida, como qualquer espécie de homicídios, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o próprio suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas físicas ou morais e as tentativas de dominação psicológica; tudo o que ofende a dignidade humana como as condições infra-humanas de vida , os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o mercado de mulheres e jovens e também as condições degradantes de trabalho, que reduzem operários a meros instrumentos de lucro, sem respeitar-lhes a personalidade livre e responsável: todas estas práticas e outras semelhantes são efetivamente dignas de censura. Enquanto elas infeccionam a civilização humana, desonram mais os que se comportam desta maneira, do que aqueles que padecem tais injúrias. E contradizem sobremaneira a honra do Criador.” (GS 27).
Cristãos e militantes católicos – em qualquer sociedade ou regime político - que lutam e militam para diminuir tais males, superar tais situações, o fazem por um ato de Fé no Ser Humano, por um ato de Religião, por uma atitude de honra, louvor e amor ao Criador.
E de maneira nenhuma, por inspiração marxista ou ateia como poderiam ser criticados ou condenados por algum tribunal humano, de uma pessoa ou de uma instituição civil, militar ou policial.
É por acreditar que: “A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais” GS 25. É por acreditarem que: “Cresce, porém, ao mesmo tempo a consciência da dignidade exímia da pessoa humana, superior a todas as coisas. Seus direitos e deveres são universais e invioláveis. É preciso, portanto, que se tornem acessíveis ao ser humano todas aquelas coisas que lhe são necessárias para levar uma vida verdadeiramente humana. Tais são: alimento, roupa, habitação, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente informação, direito de agir segundo a norma reta de sua consciência, direito à proteção da vida particular e à justa liberdade” (GS 26).
Vejam, também, o n. 40, onde afirma:
”... através de cada um de seus membros e de toda a sua comunidade, a Igreja acredita poder ajudar muito a tornar mais humana a família das pessoas e sua história” (GS 40).
Ainda:
“O Concílio os cristãos, cidadãos de uma e outra cidade, a procurarem desempenhar fielmente as suas tarefas terrestres, guiados pelos princípios do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo não termos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura, julgam poderem negligenciar os seus deveres terrestres, sem perceberem que estão mais obrigados a cumpri-los, por causa da própria fé, de acordo com a vocação à qual foram chamados. Não erram menos aqueles que, ao contrário, pensam que podem entregar-se de tal maneira às atividades terrestres, como se elas fossem absolutamente alheias à vida religiosa, julgando que esta consiste somente nos atos do culto e no cumprimento de alguns deveres morais. Este divórcio entre fé professada e a vida cotidiana de muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso tempo. ... Portanto não se crie oposição artificial entre as atividades profissionais e sociais de uma parte, e de outra, a vida religiosa. Ao negligenciarem os seus deveres temporais, o cristão negligencia os seus deveres para com o próximo e o próprio Deus e coloca em perigo a sua salvação eterna. A exemplo de Cristo, que exerceu a profissão de operário, alegrem-se antes os cristãos, porque podem desempenhar todas as suas atividades terrestres, unindo os esforços humanos, domésticos, profissionais, científicos ou técnicos em síntese vital com valores religiosos, sob cuja soberana direção todas as coisas são coordenadas para a glória de Deus.”(GS 43).
É por acreditarem que: “Também na vida econômico-social a dignidade da pessoa humana, com sua vocação integral, bem de toda a sociedade, deve ser honrada e promovida. O ser humano, com efeito, é o autor, centro e fim de toda a vida econômico-social” (GS 63), que cristãos denunciam órgãos e ações aéticos contra a vida, a justiça e a dignidade da pessoa humana; e é por esta razão que um arcebispo católico sofre a pecha de “vermelho” ao defender sempre a primazia dos seres humanos em qualquer planejamento.
Vimos, rapidamente, que a Igreja pode e deve exercer uma atuação benéfica na construção de um futuro verdadeiramente humano, justo, fraterno e solidário, para as sociedades, as Nações, Países e Povos.
Vimos que ela pode e dever exercer uma ação de colaboração crítica no sentido de purificar, ordenar, orientar segundo a justiça, retidão e ética os esforços de qualquer Governo e Regime na busca de solução e encaminhamento dos problemas e desafios que enfrentam.
Vimos que sua Doutrina e sua posição atual pode incomodar, e exigir-nos revisões e reorientações sérias de posições tomadas, mas num sentido positivo, porque é o bem de uma Civilização verdadeiramente humana:
- pois acredita e testemunha que “todas as coisas existentes na terra são ordenadas ao ser humano, como a seu centro e ponto culminante” (GS 12);
- pois acredita e luta por construir “pessoas realmente novas e construtoras de uma humanidade nova “ (GS 30).
E sua ação será salutar a qualquer ideologia, cultura, regime ou filosofia. A sua influência será no sentido de formar o ser humano perfeito e integral, a personalidade e a união de personalidades, grupos, tribos, nações e povos.
A influência da Igreja na formação do Povo Brasileiro será neste sentido:
“A Igreja, enquanto ela mesma ajuda o mundo e dele recebe muitas coisas, tende a um só fim: que venha o Reino de Deus e seja instaurada a salvação de toda a humanidade. Todo o bem que a Povo de Deus, no tempo de sua peregrinação terrestre, pode prestar à família dos seres humanos, deriva de fato de ser a Igreja ‘o sacramento universal da salvação’ (LG 48) manifestando e ao mesmo tempo operando o mistério de amor de Deus para com o ser humano” (GS 45).
A Igreja espera uma Nova Terra e um Novo Céu (GS 39).
Nada a faz parar ou temer, a não ser a infidelidade ao Espírito do Ressuscitado que a conduz. Ela sabe que:
“Depois que propagarmos na terra, no Espírito do Senhor e por Sua ordem, os valores da dignidade humana, da comunidade fraterna e da liberdade, todos estes bons frutos da natureza e do nosso trabalho, nós os encontraremos novamente, limpos contudo de toda impureza, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal: ‘reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz’ (Prefácio da Festa de Cristo Rei). O Reino já está presente em mistério aqui na terra. Chegando o Senhor, ele se consumará.” (GS 39).
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(Escrito por Frei Basílio de Resende ofm BH, 08 de fevereiro de 1974, a pedido do Capelão Militar da Guarda Presidencial, de Brasília, com o objetivo de ser uma aula de formação para os Cadetes. Revisto em 2020.)
Corrigido em 2020: Nota *) “Mas, infelizmente, não é um movimento uno, coeso. Nem todas as ações e decisões partem da Escola Superior de Guerra”. Este Movimento Revolucionário é constituído por três tendências – a) o grupo da ESG, chamado ‘o grupo da Sorbonne’ (Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de Farias, Orlando Geisel, Ernesto Geisel e o. b) o grupo radical, chamado ‘linha dura’ (Artur da Costa e Silva, Olímpio Mourão, Odílio Denys, Muniz Aragão, Newton Cruz, Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier e o. c) Brigadeiro Eduardo Gomes, Juarez Távora, Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho e o.”
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